Aron x Gala

01-

Palácio Real de Erdan. Galawel, junto de seu namorado, Arthur, aguardava o rei, avô dela, que havia convocado os dois para uma reunião num dos vários salões do castelo. Fazia apenas seis meses que Arthur vencera o torneio de justas na cidade de Costa do Sol, passando a ter o direto de usar, por um ano, o título de “Rei dos Duelos”.

O portão do salão se abriu e o rei entrou. Ele estava usando suas roupas usuais: botas de cavalaria de couro negro, uma calça de algodão marrom, larga, presa na cintura com um cinto de couro, uma camisa branca de linho, larga, de mangas compridas e trazia na cabeça a discreta coroa de Erdan.

– Galawel, Arthur, que bom que vieram – disse o rei com um discreto sorriso no rosto.

– Seu pedido é sempre uma ordem, vovô – sorriu a elfa.

– Gentil como sempre. Adoraria dizer que eu pedi para vires aqui só por que estava com saudades de minha neta mais velha, mas infelizmente devo pedir uma ajuda sua.

– Diga o que precisas, vovô, e eu farei.

– Bem, estas ciente de que o teu irmão, Aron, viajará para Costa do Sol para assinar um tratado de negócios entre esta e Erdan, certo?

– Claro. E ele aproveitará também para tratar dos detalhes do casamento dele com a Liry, uma vez que a família dela é de lá. Ou ao menos foi o que a mamãe me contou. Desejas que eu vá acompanhá-lo para ajudá-lo?

– Desejo sim que vá acompanhá-lo, mas não para ajudá-lo. Aron é mais do que capaz de resolver a missão que lhe foi confiada. Eu tenho uma outra missão para ti. Uma missão minha e do meu irmão, Tiron.

– Uma missão para Arlon e Erdan?

– Exato. Como capitã da Guarda Real de Arlon, deves estar ciente da doença da Condessa da Costa, certo?

– Sim, depois da morte do filho caçula, a pobre condessa parece ter perdido a vontade de viver. É uma pena, ela parecia tão viva, tão cheia de vida há seis meses.

– Bem, minha neta, cada um lida com a dor à sua maneira. De qualquer maneira, com a doença da pobre Condessa, seu marido, Lorde Rags assumiu a regência da cidade. Ele tentou assumir a presidência do conselho governativo da Confederação do Leste, que era ocupado por sua esposa. Porém os outros conselheiros julgaram que, como regente, ele não teria direito a estar lá como membro, muito menos a presidi-lo e repassaram a presidência ao Conde de Raymar, que era o vice. Pois bem, Rags não aceitou e, se valendo dos protocolos, solicitou que Arlon e Erdan indicassem alguém para servir de árbitro da disputa. Normalmente, eu ou meu irmão iríamos, mas problemas locais não nos deixam partir. Por isso a indicamos para arbitrar a disputa.

– Longe de mim recusar tal missão, vovô, mas eles aceitarão à mim como juíza?

– Tu és minha neta e capitã da tropa de elite de meu irmão. Por que rejeitariam? E ambos já aceitaram.

– Se eles aceitaram, ótimo, eu também aceito.

– Eu sabia que podia contar contigo.

– Meu irmão partirá amanhã, imagino que queiras que eu parta junto. Então, se me dás licença, vovô, vou preparar os equipamentos para mim e para o Arthur.

– Claro, vá. Aliás, Arthur, eu gostaria que ficasses, por favor.

Galawel se retirou da sala, deixando para trás Tauron e Arthur.

– No que posso ser útil, majestade?

– Eu sei que és um rapaz inteligente, deves ter percebido por que estou enviando os meus dois netos mais velhos, certo?

– Para tentar reaproximá-los como eles já foram um dia?

– Exato. Bem que eu disse que eras inteligente. Posso contar com sua ajuda?

– Claro.

– Além disso, rapaz, como namorado de minha neta, é bom que se acostumes com os protocolos da diplomacia daqui, logo sugiro que prestes atenção nestes durante a viagem.

– Sim, majestade.

– Ótimo, vá agora, minha neta o espera.

02-

Depois da breve conversa com o rei, Arthur foi ao encontro da namorada, que terminava de arrumar os equipamentos de ambos para viagem. Tarefa essa que não demandaria muito tempo pois, precavida como sempre, Gala já viajara para Erdan com quase tudo que precisaria para uma viagem mais longa.

– E então, o que o meu avô queria?

– Ele só confirmou aquilo que a gente já desconfiava: ele quer usar a viagem para reaproximar você e o Aron.

– Meu avô é mesmo previsível às vezes. E teimoso também. Eu adoraria me reaproximar do Aron, sério, mas isso depende só dele.

– Você nunca explicou e eu nunca perguntei, mas, afinal, o que houve entre vocês?

– Sabe que até hoje eu me faço essa pergunta? Quando eu era pequena, logo que a minha mãe me adotou, a gente era próximo, com ele me chamando de “irmãzinha”, brincando comigo e tudo mais. E também brincava com o Karlon e com as irmãs dele. O Aron era o herói meu e do Karlon quando éramos crianças. Depois de um tempo, ele foi crescendo e se distanciando. No início meus pais acharam que era normal, afinal ele já era um adolescente e nós apenas crianças, afinal o Aron é sete anos mais velho do que o Karlon e quase oito mais velho do que eu. Mas não foi isso que aconteceu. Ele foi ficando mais frio e ficando até irritado quando se referiam a mim como irmã dele.

– Mas você é irmã dele.

– Sim, mas vai entender? Eu já desisti e meus pais também. Apesar de ser apenas filho adotivo, às vezes ele parece turrão como a nossa mãe. E parece que é algo pessoal comigo pois o “bando” ele trata bem.

Vendo o ar triste que a namorada trazia no rosto, Arthur nada disse, apenas a abraçou e beijou os cabelos dela enquanto sussurrava: “Dane-se ele, eu estou aqui e sempre estarei ao seu lado. Ao menos quando quiseres que eu esteja”.

– E por que eu ia desejar ficar longe de você? – disse ela sorrindo enquanto afastava o seu rosto do rosto do namorado. – Sabe o quanto é difícil arranjar um namorado bonzinho e dedicado como você, que aceita toda a maluquice da minha família?

– Obrigado pelo bonzinho, amor e, bem, a família também é minha.

– Tá certo. Agora vamos terminar de empacotar tudo pois meu irmão vai querer partir cedo amanhã, se conheço bem a peça.

No dia seguinte, como previsto por Galawel, Aron e sua noiva, Liry, uma linda elfa de cabelos negros como a noite, montados em seus respectivos cavalos, os aguardavam no lado de fora do castelo. Arthur estava cavalgando o cavalo que lhe acompanhava desde o torneio de justas enquanto Galawel agora cavalgava seu grifo, Flechinha, que já se tornara um grifo adulto. Aliás, sempre que Arthur olhava para aquela criatura imensa ele ficava espantado com o crescimento do animal, que passara do tamanho de um cachorro para um tamanho maior do que o de um cavalo em mais ou menos dois anos. Galawel ofereceu para teleportar os quatro direto para Costa do Sol, mas Aron alegou que eles teriam que passar em alguns lugares antes no caminho para entregar alguns documentos e, assim, iriam cavalgando até Costa.

A viagem dos quatro seguiu tranquila, com eventuais paradas na Vila do Delta e em Acquacitê, antiga capital do Ducado de Aquamarine quando este era um território autônomo e que continuara como local de residência dos duques de Aquamarine. Aron ia sempre mais à frente, calado, enquanto sua noiva Liry, que era amiga de Galawel, ia conversando alegremente com esta e também com Arthur.

Sem grandes percalços, o grupo logo cruzou a fronteira entre Erdan e a Confederação da Planície Oriental e pouco mais de uma semana depois de ter partido, chegou à Costa do Sol. Normalmente a viagem teria levado mais tempo, mas Liry convenceu o noivo a aceitar a oferta de teleporte após terem cruzado a fronteira.

Não querendo chamar atenção, Galawel os teleportou para uma região remota, relativamente perto das muralhas da cidade, mas impossível de ser visualizada a partir desta para os guardas de plantão terem a impressão de que o grupo chegara cavalgando.

Os soldados avisaram os superiores da chegada da pequena comitiva e logo um enviado do governo da cidade foi ao encontro deles. Este insistiu para os quatro ficarem hospedados no palácio dos condes, mas Galawel, que queria se manter neutra uma vez que ia arbitrar uma disputa envolvendo o governo da cidade, decidiu se hospedar numa estalagem da cidade, no que foi acompanhada por Arthur enquanto Aron e Liry seguiram para uma propriedade da família desta.

No dia seguinte, Galawel, acompanhada de Arthur, e Aron, acompanhado de Liry, foram à sua primeira audiência com Lorde Rags, esposo da Condessa e regente de Costa do Sol.

O salão onde o regente os esperava era um salão austero, como o resto do palácio, construído com rochas cinza-escuras e todo decorado com entalhes com temática naval e com uma bandeira que, para o povo local nada significava, mas que Arthur logo de cara reconhecera: a “Union Jack”, a bandeira do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte. Isso se dava pelo fato de Costa ter sido fundada por marinheiros ingleses da era vitoriana, que, devido à um portal mágico, cuja origem nunca foi descoberta, haviam viajado no tempo e no espaço, tendo chegado ao continente de Noritvy achando que apenas descobriam novas terras para a sua rainha.

Lorde Rags, um elfo de cabelo escuro e que trazia na face uma barba rala e mal aparada, estava sentado no trono normalmente reservado ao conde e trajava uma armadura de guerra e, por cima desta, um tabardo amarelo-escuro com um sol vermelho no centro e trazia uma pesada espada na cintura, tentando, inutilmente, impressionar os visitantes, tentando convencê-los de que ele era um grande guerreiro, coisa que ele nunca havia sido. Ao seu lado, em pé, estava um guerreiro que Galawel e Arthur conheciam bem: Will Helium, um meio elfo ruivo, sobrinho da condessa e que lutara no mesmo torneio onde Arthur se sagrara campeão, meses antes.

O nobre se levantou e, com um sorriso falsamente simpático, como o que os políticos usam para lidar com seus eleitores, saudou os dois príncipes:

– Altezas, é um prazer recebê-los em meu palácio. Espero que vossa estadia na minha cidade possa ser bem proveitosa para vós e para mim também.

– Assim também espero, Lorde Rags – respondeu Aron. – Tanto eu quanto meu avô esperamos manter a boa relação comercial entre Costa e Erdan.

– Quanto a mim, senhor, saibas que fiquei honrada em saber que tanto o senhor quanto os demais nobres da Confederação confiam em mim para arbitrar a vossa disputa. E serei o mais justa possível como juíza – falou, de maneira solene, Galawel.

– Vosso tio-avô e rei, Tiron, me recomendou o seu nome, alteza, e vosso avô, Tauron, endossou a indicação. Por mais que eu tenha fama de estourado e teimoso não seria tolo de rejeitar a indicação de dois dos mais sábios governantes que já existiram neste grande continente.

– Fico grata de ouvir tais elogios, Lorde Rags e saiba que transmitirei eles aos reis. Foi solicitada, pelos reis, uma sala onde eu pudesse avaliar toda a documentação da disputa, senhor. Esta já se encontra disponível? Pois imagino que desejes que eu resolva essa disputa o mais rápido possível.

– Claro, claro. Já preparei locais de trabalho tanto para vós quanto para vosso irmão, alteza. Meu criado se encontra lá fora a esperar por vós. Eu só quis recebê-los antes dos trabalhos para lhes dar a boa vinda adequada.

Os quatro se despediram do regente e saíram do salão. De fato, como havia sido dito por este, o servo os esperava para guiá-los aos seus respectivos locais de trabalho.

– Poderias ter sido mais agradável com Lorde Rags, Galawel – disse Aron, enquanto caminhavam pelo palácio, seguindo o criado.

– Meu irmão, diferente de ti, que veio negociar um acordo comercial e, assim, precisa ser agradável mesmo quando não tens vontade, eu vim arbitrar uma disputa política e, assim sendo, não tenho necessidade de agradar a todos, apenas tenho que ser justa e saber embasar bem minha decisão.

– Bah, és filha do teu pai, definitivamente.

– Tomarei isso como um elogio. Aliás, Liry, sei que tens que ver os detalhes do vosso casamento mas será que poderias me ajudar ao menos essa tarde? Como vosso pai sempre lidou com comércio dentro e fora da Confederação e como estudastes para ajudá-lo, imagino que tens um conhecimento das leis locais bem maiores que o meu.

– Lhe ajudarei com o maior prazer, amiga, mas com uma condição: quero que, no final da tarde, vás comigo ao florista ajudar a escolher as flores para a festa que meus pais vão organizar. E depois sairemos só nós duas para pôr a conversa em dia.

– Claro, combinado.

– Arthur, já que a Liry irá auxiliar Galawel, eu gostaria que me acompanhásseis ao menos no início do trabalho hoje. Meu avô pediu que eu lhe passe alguns ensinamentos sobre diplomacia e negociação.

– Se acha que eu não vou atrapalhar, Aron…

– Não importa o que eu acho, Arthur, importa o desejo do meu avô.

– Ok, se é assim, por mim tudo bem.

Mais tarde, já tendo sido dispensado do serviço pelo resto do dia por Aron, Arthur caminhava, um pouco sem rumo, pelos corredores do palácio quando encontrou uma figura conhecida: Will Helium, um meio elfo ruivo de porte largo e sobrinho da condessa.

03-

O meio elfo abriu um sincero sorriso ao ver Arthur.

-Arthur, infelizmente não tivemos tempo para conversar no salão, mas saiba que é bom vê-lo aqui. Não só tu quanto a princesa Galawel também.

– É bom estar aqui de novo, Will, mas te garanto que tanto eu quanto Galawel esperávamos voltar aqui devido à um motivo mais agradável do que arbitrar uma disputa envolvendo o seu tio.

– É verdade, mas tem certas coisas que fogem ao nosso controle, Arthur.

– E sua tia, como está?

– O estado dela segue o mesmo, trancada no quarto, sem querer falar com ninguém quase, é como se tivesse sobrado apenas uma casca vazia.

– Eu sinto muito. Ela parecia tão altiva, tão cheia de vida há alguns meses.

– Cada um lida com a dor da sua maneira, Arthur.

– Eu sei, o rei Tauron falou a mesma coisa. Por falar em lidar, como você está lidando?

– Sendo forte, pelo bem do meu primo Iron. Meu tio, Lorde Rags, nunca deu muita atenção ao garoto, se dedicando sempre a auxiliar minha tia no governo, agora então, menos ainda…

– Você parece não gostar muito dele…

Will ficou calado por alguns instantes, pensativo, antes de voltar a falar.

– É, acho que posso me desabafar contigo, acho que me fará bem. A nossa família nunca viu esse casamento com bons olhos. Rags é de um ramo colateral dos Cooks, antigos governantes da cidade perdida de Vitoria e daqui. Politicamente o casamento era uma boa, não só pela força do nome Cook, mas também pelo fato de vosso tio Sieg por algum tempo ter sido o guardião legal tanto do meu tio quanto do irmão dele, Andrew, o que, potencialmente, poderia abrir caminho para maiores relações com os reinos de Arlon e Erdan. Só que o noivo que os meus avós queriam para a minha tia era o Andrew e não o meu tio.

– E porque sua tia se casou com o Lorde Rags então?

– Andrew na época já havia conhecido e se apaixonado por aquela que seria sua futura esposa, Niran, que vem a ser a rainha das ninfas da planície oriental e, além disso, meu tio seduziu a minha tia, soube conquistar o amor dela. E como ele reunia quase todos predicados que Lorde Andrew também possuía, meus avós acabaram concordando. Não digo que meu tio tenha se casado com a minha tia só por interesse, mas, às vezes, eu o acho pouco atencioso com ela, principalmente agora, nesse momento de dor. Eu o vejo cada vez mais enfiado no trabalho e prestando cada vez menos atenção à família.

– Como você mesmo disse, Will, cada um lida com a dor do seu jeito. Se afundar no trabalho pode ser a maneira que seu tio arranjou para lidar com o problema. Talvez ele esteja querendo manter tudo em ordem para o dia que sua tia se cure.

– Lorde Andrew me disse algo parecido. Ele esteve há pouco tempo aqui, junto com a esposa, para visitar meus tios. Meu tio não gostou muito dele tentar dar conselhos, mas eu levei a sério o que ele disse. Lorde Andrew é o inverso do meu tio, calmo, contido, dado a estudar tudo antes de tomar uma posição. E Lady Niran conversou com minha tia, tentou ajudá-la a sair desse estado, mas mesmo ela, que é muito sábia, não conseguiu. Mas saíram daqui com a promessa de que tentariam buscar ajuda.

– Meu tio também está procurando um caminho, mas nada ainda. Segundo ele, “quando o espírito se quebra”, é mais difícil consertar.

– Se nem Lorde Lukhz, que é um famoso curandeiro, conseguiu uma solução, não resta mais nada a ser feito…

– Calma, Will. O meu tio não desistiu, não desista você também. Lembre-se do que você disse para a Gala: de que se concentraria para fazer do teu primo um grande campeão. Por isso, você não pode desistir nem se deixar abater.

– É verdade, estas certo, Arthur. Não posso me deixar abater, pelo bem do Iron. E minha tia não gostaria de me ver desistindo.

– Tenho certeza de que não gostaria não.

– Muito obrigado por ter me ouvido, eu precisava desabafar.

– Às ordens.

– Agora, se me dás licença, tenho tarefas a cumprir.

– Claro, e eu também tenho que localizar o Aron.

Os dois antigos rivais se despediram com um abraço cordial e tomaram o seu rumo. Arthur não teve dificuldade de localizar Aron e partiu junto deste, rumo à hospedaria onde estava hospedado junto de sua namorada, para jantarem enquanto esperavam as garotas retornarem.

Durante o jantar, Arthur relatou a Aron toda a conversa que tivera com Will e mesmo as impressões que o meio elfo lhe passara enquanto falava.

– Interessante saber isso – comentou Aron. – Assegure-se de repassar todos os detalhes à minha irmã, como repassastes a mim, Arthur. Galawel poderá fazer bom uso de tais informações, principalmente porque elas nos permitem conhecer um pouco mais da personalidade de Lorde Rags, o autoproclamado “Senhor da Costa”.

– Posso fazer uma pergunta, de cunho pessoal, Aron?

– Faça, já és quase da família, Arthur. Se tudo continuar no ritmo que está, dentro em breve serás meu cunhado.

– Agora a pouco você chamou a Gala de “irmã” e mesmo agora dissestes que serei seu “cunhado” em breve. Por que relutas tanto em ser gentil com a Gala pela frente? Ciúmes da atenção que ela recebe da mãe de vocês?

– Não é tão simples assim, Arthur, definitivamente não entenderias.

– Não, realmente não entendo. Sabe, eu compreendo o motivo de nunca teres ido para a Terra. O rei Tauron é o teu verdadeiro pai, por assim dizer, e não querias deixá-lo sozinho. É justo. Não sei que decisão eu tomaria no teu lugar, mas não posso dizer que tomastes uma decisão errada. Entendo talvez que tenhas um pé atras com o meu tio, afinal ele “levou sua mãe para longe”. Mas o que a Gala lhe fez de errado? Se for o fato dela ser filha do meu tio, bem, então deverias implicar com o “bando” também, mas a eles tu tratas bem. E sabe, isso machuca a Gala. Ela te adora, até hoje, embora não o diga. Tu continuas sendo o herói de infância dela e isso, Aron, nunca vai mudar.

– Eu tenho minhas razões, Arthur e não se metas mais nisso. Isso não lhe diz respeito.

– Aí é que se enganas, Aron, tudo que tem a ver com a Gala me diz respeito. E só mais uma coisa, “cunhado”: nunca e eu digo nunca mesmo, faça a Gala chorar ou sofrer. Porque eu posso não me controlar ao ver isso e, sabe, não queira ter um meio dragão como inimigo. Não é seguro.

– Não se preocupe, não esquecerei do “conselho”.

Um clima frio tomou conta da mesa e os dois rapazes continuaram a jantar de maneira silenciosa até que as garotas retornaram, trazendo um clima alegre para o ambiente.

– Nossa, meninos, que clima frio – comentou Gala. – Algo de errado?

– Não, amor, está tudo bem – respondeu Arthur.

– Exato, Galawel, está tudo perfeito – emendou, de maneira fria, Aron.

As duas jovens sabiam que não estava “tudo bem”, mas, conhecendo os respectivos namorados, sabiam que tão pouco adiantaria insistir e, assim, se ocuparam de falar da festa que seria promovida pela família da Liry e de tudo o que elas já haviam levantado de documentação com relação à audiência que Galawel presidiria e que ocorreria dali a dois dias.

Mais tarde, quando já se encontravam à sós, Arthur relatou a conversa que tivera com Will e também o seu rápido desentendimento com Aron.

– Vocês dois, francamente – comentou Gala -, não sei se rio ou brigo contigo.

– É que eu não consegui me segurar, amor.

– Eu sei, eu sei e fico grata por ter um namorado fofo e protetor. Mas a minha situação com o Aron é delicada, Arthur e não preciso que ninguém mais bote lenha nessa “fogueira”.

– Desculpa, eu quis ajudar e só fiz besteira pelo jeito… – falou o rapaz, olhando para o chão com vergonha.

– Também não fique assim, Arthur…

Galawel abraçou o namorado e depois o beijou.

– Saiba que eu tenho é sorte de tê-lo, viu? – sorriu a elfa.

04-

Os dias seguiram tranquilos, com agora Arthur ajudando Gala nos preparativos da audiência. No dia marcado para esta, as partes interessadas se reuniram num dos salões do castelo de Costa do Sol que serviria de tribunal para aquela disputa. Os grupos se ajeitaram nas suas respectivas mesas, colocadas diante do palanque onde estava a cadeira destinada a servir de acento para Galawel naquela sessão.

Ciente de que todos já haviam se colocado nos seus lugares, a elfa finalmente entrou na sala, escoltada por Arthur e Aron. Galawel se preparara bem para impor respeito a todos os presentes: trajava uma armadura prateada clara, lisa, tendo sua espada, Flaitin, presa na cintura e trazia nas costas uma capa branca, de borda lilás e com a estampa de uma rosa heráldica, também lilás, no centro. A capa era fixada na armadura por duas presilhas douradas em formato de castelo. Com esse traje ela pretendia deixar claro a todos o que era: uma guerreira, cujo sangue dos Bianchi, representados pela rosa na capa, corria em suas veias e que também era uma Fornorimar por adoção e por isso usava as presilhas em formato de castelo, símbolo da família de sua mãe adotiva.

Todos se levantaram para saudá-la enquanto um funcionário do castelo a anunciava:

– Queiram saudar a sua alteza, a princesa Galawel Formorimar Bianchi, capitã da Guarda Real de Arlon, filha dos Príncipes Lukhz e Ardriel e que presidirá essa sessão.

Galawel, com um suave gesto, cumprimentou a todos e, assim que todos se sentaram, o julgamento da disputa teve início. Cada parte interessada teve meia hora para expor os seus argumentos. Após ambos os lados terem exposto os seus pontos de vista, todos ali presentes esperavam que Galawel fosse pedir um tempo para deliberar a questão, mas, mais uma vez, a elfa surpreendeu a todos.

– Caros nobres, sei que esperam que eu solicite um tempo para pensar, mas creio não ser necessário. Nos últimos três dias eu li e reli todos os acordos e leis que regem vossa confederação e cheguei neste tribunal, hoje, com uma decisão já praticamente tomada e vossos argumentos só me deixaram mais confiante naquilo que decidi.

– Se já tens uma decisão tomada, por favor nos diga, alteza – falou um impaciente Rags.

– Pois bem, regente, darei o meu veredicto a cerca desta disputa. De fato, estas correto ao exigir seu lugar no conselho governativo da Confederação, pois os estatutos desta pregam que o conselho deverá ser formado por representantes das cidades-membro, mas não afirma que estes representantes deverão ser, obrigatoriamente, os governantes desta e, assim, embora o senhor seja apenas o regente e não o Conde de Costa do Sol, o senhor pode, sim, ser o representante desta cidade no conselho.

– Eu sabia que a razão e a lógica surgiriam… – comemorou, com um sorriso, Rags.

– Acalme-se, regente, ainda não terminei de falar…

– Desculpe, alteza, queira prosseguir.

– Obrigada. De fato, os regulamentos nada falam da obrigatoriedade do conselho ser formado pelos governantes legítimos das cidades-membro, porém, estes são bem claros ao dizer que a presidência e a vice presidência do conselho só podem ser ocupadas por governantes das cidades-membros, o que exclui a possibilidade do senhor, Lorde Rags, de ocupar qualquer um desses cargos. A não ser que vosso conselho modifique estes, mas, por enquanto, enquanto os regulamentos vigentes forem os atuais, o senhor não poderá assumir a presidência do conselho como desejavas.

– Bobagem, eu sou um governante legítimo, tanto quanto qualquer outro – protestou Rags.

– Sinto em discordar, Lorde Rags – disse Galawel. – O senhor é o legítimo regente de Costa do Sol, na ausência de sua esposa, isso é fato. Mas como está explícito no seu título, és o regente, ou seja, governas na ausência do governante legítimo, no caso sua esposa. E, mesmo que esta venha a ser declarada incapaz permanentemente de governar, o trono da Costa passará para o seu filho, Iron, e o senhor seguirá como regente até a maioridade deste. Este, senhores, é o meu veredicto final e, lembro-vos, que, como ambas as partes me aceitaram como juíza dessa disputa, tal veredicto por mim proclamado é definitivo.

A elfa se levantou da cadeira e fez menção de se retirar. Lorde Rags tratou de segurá-la pelo braço.

– A senhorita tem que rever sua decisão, sua decisão final não pode ser essa ou haverá sérias consequências – exigiu ele.

Galawel se desvencilhou da mão do elfo e ficou encarando-o sério, mas, antes que ela falasse algo, foi Aron que disse:

– Minha irmã já deu o veredicto, Lorde Rags, gostes ou não dele. Tentei me pôr à parte da questão o máximo possível, mas devo avisa-lo de que ameaça-la não seria uma atitude inteligente.

– Tio, estas louco? Tens noção de quem tentastes intimidar? – falou Will, que se aproximara da confusão.

– Eu, eu peço desculpa, alteza. Por mais que discorde seu veredicto, de fato minha abordagem não foi correta e eu concordei com a sua escolha para juíza, logo só posso acatar sua decisão. Essa só seria contestável se houvesse alguma prova de que tinhas segundas intenções, mas conheço bem vossos pais e vossa família e acredito que agistes de maneira mais justa possível à partir daquilo que acreditas. Mais uma vez, peço perdão.

Contrariado e, ao mesmo tempo, envergonhado, Lorde Rags saiu do salão escoltado pelo sobrinho. Depois de algum tempo caminhando pelos corredores, tendo certeza de que estavam sozinhos, ele se voltou para o sobrinho e disse:

– Nunca mais me desafie em público, rapaz? Fui claro? Nunca mais!

– E o senhor queria que eu fizesse o que? Que deixastes o senhor comprar uma guerra que não podemos vencer? Caso os reinos centrais se voltassem contra nós por causa do seu “showzinho”, tenhais certeza de que ninguém da Confederação moveria uma palha para nos ajudar, tio.

– Isso não é problema seu, moleque.

– É problema meu sim pois, diferente de ti, que és um forasteiro, eu nasci aqui, é a minha família que tem zelado por Costa do Sol há séculos – disse Will e, erguendo o tio pela gola da camisa, uma vez que era mais alto e forte do que ele, emendou: – Eu não sou moleque e não tenho medo de ti, Lorde Rags. Estou de olho em ti e, caso ouses fazer algo que bote minha cidade ou minha família em risco, bem, eu garanto que Costa do Sol passará a precisar de um novo regente.

Will largou o tio no chão e foi embora para seus aposentos. Daquele dia em diante, Rags nunca mais destratou o sobrinho embora se esforçasse para falar o mínimo possível com ele.

05-

Passada a confusão causada por Lorde Rags e tendo se livrado dos nobres que a queriam parabenizá-la pela decisão, Galawel, acompanhada de Arthur e Aron, se retirou do salão. Seguindo o conselho do irmão, tanto ela quanto Arthur pegaram seus bens na estalagem, pagaram a conta e foram se hospedar na propriedade dos pais de Liry, uma grande casa perto do mar, num vilarejo dentro dos limites do Condado da Costa, mas fora das muralhas da cidade. Eles permaneceriam ali por mais dois dias, até a festa de comemoração do noivado e depois retornariam para os reinos centrais.

Os pais da jovem receberam os novos hóspedes de braços abertos. Eles se encontravam nervosos, não pela confusão do julgamento, mas porque haviam sido comunicados que tanto Ardriel quando Lukhz compareceriam à festa. Tal nervosismo não os impediu de serem bons anfitriões e, como retribuição, Galawel tentou acalmá-los, frisando que seus pais eram pessoas simples embora ela mesmo soubesse o efeito que a simples menção do nome deles causava.

– Os pais da Liry me parecem bem legais, mas acho que eles estão preocupados demais com os seus pais – comentou Arthur.

– É, eu frisei que eles são pessoas simples, comuns até, mas, como costuma resmungar o papai, é o preço da fama.

– ?

– Arthur, eles são, provavelmente, o mais famoso casal de heróis vivos, embora, hoje em dia, para o desgosto deles, vivam presos em questões burocráticas.

– É, eu me esqueço desse detalhe às vezes.

– Então, é normal que as pessoas fiquem incomodados com a presença deles. O que não sabem é que quanto mais eles ficam incomodados, mais os meus pais ficam incomodados também. Afinal eles gostam de ser tratados como pessoas comuns e não gostam de incomodar ninguém.

– Por isso que tua mãe gosta tanto da vida no Rio, né amor?

– Exato, lá ela pode sair com calma, ir ao salão, no supermercado, jantar com o meu pai sem se preocupar com protocolos e normas. Sem ninguém a perturbar.

– Sem ninguém não, as vezes aparecem alguns fãs dos livros dela.

– Que não chegam nem perto de incomodá-la como incomodam os nobres puxa sacos.

– Isso é verdade. Nenhum fã torra a paciência dela pedindo por títulos, terras ou um carguinho no governo.

– Mal sabem eles quanto mais pedirem coisas assim, menos ganharão…

– A tia está certa, se não acostuma errado.

– Concordo, mas vamos parar de falar de coisas chatas e relaxar um pouco, que tal?

– Eu topo.

Os dois dias seguiram tranquilamente, com os preparativos do jantar correndo de vento e popa e com Aron se mostrando surpreendentemente mais simpático com a irmã.

No dia da festa, Galawel escolheu um vestido de um tom lilás claro que trazia na barra, alternado, o desenho de pequenas rosas e pequenos castelos bordados em prata. Como era do seu feitio em situações como essa, trazia o cabelo preso numa longa trança e o rosto com um pouco mais de maquiagem do que usava normalmente, mas, ainda assim, era muito pouco, o que não afetava a beleza da moça nem um pouco. Arthur usava um fraque preto, assim como Aron.

Já Liry se preparara para brilhar, afinal aquela era a noite dela. Trazia o seu cabelo negro preso em duas tranças e, entremeado aos fios do cabelo, havia fios prateados. Prateado também era o seu vestido, feito de um tecido leve e solto. Naquele momento ela era uma perfeita princesa de contos de fada.

A festa já havia começado quando, num canto mais afastado da área reservada a esta, um discreto portal se abriu e deste saíram Ardriel e Lukhz. Eles haviam optado por chegar depois do início da festa para justamente não chamar atenção, mas era difícil não fazê-lo. Ardriel era, seguramente, uma das mulheres mais bonitas do continente e naquele dia estava elegante, como quase sempre. Trajava um vestido vermelho escuro e trazia seus cabelos castanho cor de cobre soltos e, assim como sua filha, usava pouca maquiagem pois, tal como esta, de pouca maquiagem precisava. Já Lukhz surpreendente usava um discreto fraque preto, um traje muito mais formal do que normalmente usava, como se quisesse se misturar e não se destacar dentre os homens da festa, mas, para o azar dele, ficava difícil um meio elfo de quase dois metros e largo não ser notado.

Os príncipes se dirigiram diretamente, tentando evitar as pessoas que os abordavam, até a mesa onde se encontravam sentados Aron, Liry e os pais dela. Estes, muito sem graça, se levantaram e tentaram cumprimentar os recém-chegados de uma maneira digna e formal, mas se enrolaram devido à sua timidez. Logo já haviam sido conquistados pela simplicidade de Lukhz e pela amabilidade de Ardriel e, em pouco tempo, os dois casais conversavam como velhos amigos, falando de família, netos e planos para os filhos.

Já no final da festa, Galawel e Arthur caminhavam por um canto mais afastado da área da festa, tentando namorar em paz quando foram abordados por um bando armado.

– A senhorita desagradou muita gente hoje com o seu veredicto, capitã – disse o líder do bando. – Recebemos uma ordem de lhe ensinar uma lição.

– Olha, hoje é um dia de festa e eu não quero estragá-lo, então, façamos o seguinte: vocês vão embora, eu esqueço essa ameaça e poupo vocês da humilhação de apanharem de uma mulher de vestido – retrucou Gala.

– Bravatas.

– Bem, eu tentei – disse, dando de ombros, Gala.

Galawel e Arthur rapidamente começaram a desarmar o bando e a pô-los em nocaute, um a um, sem nem suar. Quando sobravam só dois de pé, o líder do bando levou um lenço ao rosto, gesto imitado pelo outro capanga, enquanto jogava uma pequena esfera no chão. Está, ao estourar, com impacto contra o chão, liberou um gás azul que levou Arthur e Gala ao nocaute antes que pudessem reagir.

06-

Arthur acordou sendo sacudido por Aron. Ao seu lado estava Liry.

– Arthur, onde está a minha irmã?

– Homens… Queriam Gala… Gás azul…. Desmaio…. – balbuciou o meio dragão antes de virar para o lado e começar a vomitar.

– Ele não está nada bem. Para nocautear um meio dragão, devem ter usado um veneno poderoso. Não quero nem pensar em como está a Gala – disse Aron enquanto ajudava Arthur a sentar numa cadeira. – Amor, vai chamar ajuda, chame minha mãe e meu padrasto. Eu vou atrás da Gala.

– Está bem.

A jovem correu em direção à festa enquanto Aron, armado agora da espada de um dos bandidos nocauteados, seguia na direção dos rastros deixados. Como era um bom rastreador e os rastros eram frescos, o príncipe não tardou a alcançar os bandidos.

– Larguem minha irmã e eu pouparei vossas vidas. Agora, se ousarem mexer em um fio de cabelo dela sequer, garanto que não sairão desta noite vivos – falou Aron para os bandidos.

– É valente para quem está sozinho, “principezinho”. E eu sei bem quem você é, um burocrata, diferente da tua irmã e do namorado dela, um famoso cavaleiro. Eu fiz meu dever de casa – retrucou o líder do bando.

– Mas, pelo jeito, não fizestes direito, rufião. Posso, de fato, ser um burocrata como dizes, posso não ter um histórico de aventuras e nem ocupar um cargo militar, mas fui treinado por alguns dos melhores espadachins do continente, inclusive pelo meu padrasto, Sir Lukhz.

– Do que adianta a teoria se não tens a prática, “alteza”?

– Por que não tentas descobrir? Ou tens medo de perder diante do seu capanga?

O bandido nada mais disse, apenas sacou sua espada e partiu para cima de Aron. De fato, ele era muito bom lutador e parecia ter aquilo do qual Aron mais carecia: experiência, mas, tecnicamente, o príncipe era muito melhor, e, como num jogo de xadrez, soube conter os ataques do adversário até este abrir a guarda, permitindo que fosse desarmado. O meio elfo não deu tempo para o adversário se rearmar e logo deu uma rasteira no bandido e, quando este caiu no chão, o nocauteou com um chute.

– És o próximo – disse Aron apontando a arma para o capanga que carregava Galawel nos ombros.

Este nada disse, apenas jogou a jovem no chão e se mandou correndo. Aron desistiu de persegui-lo para ir ver a irmã. Ele se ajoelhou no chão, colocou a cabeça dela no seu colo e começou a falar com ela.

– Acorda, Gala. Acorda, droga! Eu não vou aceitar que morras no meu colo. Não vou aceitar que a orgulhosa capitã de Arlon morra graças à um ato covarde. Não aceito perder a minha irmã caçula, de quem tenho tanto orgulho embora não consiga expressar muitas vezes devido à minha teimosia e ao meu ciúmes.

– Quer dizer que você tem orgulho de mim? – sorriu, de uma maneira débil, a princesa.

– Orgulho? Talvez eu tenha exagerado… – retrucou, irritado, mas ao mesmo tempo, aliviado, Aron.

O meio elfo ergueu a irmã pelos ombros, apoiou a cabeça dela no seu ombro e a abraçou.

– Estás querendo me matar de susto, foi? – disse ele no ouvido dela. – Agora fique quieta, não tente falar teu pai deve estar chegando.

E, de fato, mal Aron falara tais palavras, Lukhz, acompanhado de Ardriel, chegou ao local, acompanhado também de alguns funcionários dos pais de Liry e de algum dos homens que haviam sido contratados para fazer a guarda do local. Enquanto os demais perseguiam o último bandido, Lukhz e Ardriel trataram de cuidar da filha. O cavaleiro deitou a jovem no chão e, se ajoelhando junto dela, abriu as mãos espalmadas acima do corpo da filha e fechou os olhos. Um breve murmúrio começou a escapar da boca do meio elfo e uma luz branca surgiu das suas mãos e envolveu o corpo da filha. A luz logo sumiu e o cavaleiro, respirando pesado, abriu os olhos sorrindo.

– Pronto, o veneno foi debelado, agora ela precisa apenas descansar.

Realmente, a cor parecia ter voltado ao rosto da jovem, que trazia um ar tranquilo em seu rosto. O pai dela, com carinho, a tomou nos braços e, acompanhado da esposa e do enteado, levou a filha para a casa de seus anfitriões.

No dia seguinte, Galawel acordou deitada numa grande cama. Seu corpo estava um pouco dolorido, mas ela se sentia bem melhor. Ardriel, que se encontrava sentada numa cadeira junto da cabeceira da cama armou um grande sorriso ao ver a filha despertar.

– Boa tarde, minha filha. Estas se sentido melhor?

– Um pouco moída, mas bem, mãe. E um pouco irritada por ter me deixado capturar por um bando de idiotas.

A princesa começou a rir diante da sinceridade da filha. Ela estendeu a mão direita e começou a afagar os cabelos da jovem. Estava prestes a falar algo quando batidas na porta a interromperam.

– Entre – disse ela.

Um tímido Aron entrou no quarto. O rapaz não conseguiu ocultar um sorriso ao ver a irmã acordada.

– Eu resolvi passar só para ver como estavas, Galawel e, pelo jeito estas bem, o que é um alívio. Vou deixá-la descansar mais um pouco – falou o príncipe, se preparando para sair embora mal tivesse chegado no quarto.

– Aron, espere… Tem algo que quero lhe falar, sobre ontem – disse Gala.

– Não há nada a ser dito – retrucou ele, sem graça.

– Meu filho, escute ao menos o que vossa irmã deseja dizer-lhe.

– Se assim pedes, mãe, não tenho outra escolha – sorriu o meio elfo.

– Mano, como posso dizer? Você é um grande idiota, um dos maiores que conheci.

– Hein? – ficou abismado Aron.

– Tens certeza de que estas se sentido bem, filha? – disse Ardriel.

– Estou ótima, mãe. E não retiro nada do que eu disse agora. Como tens coragem de dizer que tem inveja de mim, Aron? Tudo bem, todo mundo fica falando que sou uma grande guerreira, que foi um grande mérito eu ter sido sagrada capitã da Guarda Real com apenas dezoito anos. E daí? Isso não é motivo para alguém ter inveja de mim. Principalmente se esse alguém é você. Com dezoito anos eu era capitã da guarda, fato, mas, você, com dezenove, foi apontado pelo nosso avô como secretário pessoal dele. E o secretário pessoal do rei de Erdan, em certos assuntos, tem mais poder do que a princesa herdeira, que vem a ser a nossa mãe. Além disso, fostes uma das poucas pessoas a chegar perto de me derrotar num treino, sendo que tens pouca experiência de campo. Nem o Karlon, que já foi o “Rei dos Duelos” chegou tão perto. Agora, porque tens inveja de mim eu não sei. Uma vez, lendo um dos velhos mangás do papai, eu li algo que achei bem interessante, que, em parte, o destino de pessoa depende das sombras das pessoas que ele tenta alcançar. Ou seja, em parte, o seu destino depende das pessoas que você escolhe para exemplo. Claro que eu cresci tentando alcançar a sombra dos meus pais, é obvio. Mas também sempre tentei alcançar a sua sombra. Você era meu herói de infância, Aron e isso não mudou, viu? Nunca me esqueci de como você me defendeu quando tinha dezesseis anos e aquele traidor de Erdan me pegou de refém e nunca esquecerei. Agora, se apesar de tudo isso que eu falei você continuar me tratando da maneira fria que você me trata, só posso ter certeza de que és um grande idiota.   

– Olha, filho, eu talvez não seria tão dura quanto a sua irmã, mas ela não deixa de ter razão – comentou, sem graça, Ardriel.

– Eu, eu não sei o que dizer…. – gaguejou Aron.

– Que tal “desculpa por ser uma mula teimosa, querida irmã”? – provocou Gala, com um sorriso.

Aron foi até junto da irmã, se sentou na beira do colchão, abraçou-a e disse:

– Desculpa por ter sido tão teimoso – disse ele, enquanto tentava, inutilmente, conter as lágrimas que rolavam do rosto.

– Desculpas aceitas – falou sorrindo a jovem, antes de dar um beijo na bochecha do irmão.

– Aron, eu fico feliz em vê-los fazendo as pazes, mas a sua irmã ainda tem que descansar.

– Está bem, mãe.

Os dois se retiraram do quarto, deixando Galawel novamente sozinha. A jovem, ainda cansada, acabou por voltar a dormir, mas, no dia seguinte, estava ótima.

Os bandidos acabaram confessando que trabalhavam para nobres menores da região que desejavam ver Lorde Ralit banido do conselho pois acreditavam que isso lhe levaria a fazer alguma besteira e daria a eles o pretexto para pedirem o afastamento dele da regência de Costa e cujos planos foram frustrados pela decisão de Galawel.

Galawel e Aron passaram a se dar bem depois da viagem, mas claro que, como bons irmãos, nunca perdiam a oportunidade de um provocar o outro. E Aron depois daquele dia tentou várias vezes, mas nunca conseguiu derrotar a irmã num duelo.

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