Já era noite no castelo de Arlon. Uma jovem elfa de apenas sete anos se encontrava aconchegada debaixo dos lençóis esperando sua mãe lhe dar um beijo de boa noite. Qualquer um que olhasse aquela menina saberia que ela não era uma elfa comum. Ela possuía uma alteração genética rara, algo como um albinismo invertido. Em vez da pele branca e sem pigmentos dos albinos, os portadores daquela alteração possuíam uma pele escura, em vários tons diferentes, e cabelos que variavam do prata ao preto. No caso dessa menina, em específico, ela possuía cabelos prateados que brilhavam sob a luz do luar que entrava pelas frestas da cortina e uma pele marrom, num tom quase de chocolate ao leite.
A porta do quarto se abriu. A menina abriu um grande sorriso e disse:
– Boa noite, mãe.
– Como sabias que era eu, filha? – perguntou a princesa Galawel.
– Vovó me disse que irias vir me dar boa noite – sorriu novamente a menina.
– Certo, certo. Então boa noite, filhota.
– Mãe?
– Sim?
– Me conta uma história?
– Uma história, filha? Qual?
– De quando me achastes com frio e chorando e me acolhestes, me prometendo que seria minha mãe para sempre.
– Filha, você até sabe de cor o que eu costumo falar. Tens certeza de que não queres outra história?
– Não – sorriu ela.
– Ok, ok, você venceu.
A princesa sentou-se na cama, junto da filha, fez um cafuné nos seus cabelos prateados, pegou um pouco de fôlego e começou a falar:
– Já fazem quase sete anos que lhe encontrei. Era um final de tarde, eu e sua avó passeávamos por um bairro na periferia da cidade, famoso por seus ateliês de roupa, procurando roupas novas para nós e também para os seus irmãos.
– Mãe?
– Sim?
– Não era perigoso duas princesas andarem assim, sozinhas, carregando dinheiro? Vovô vive dizendo para eu tomar cuidado com estranhos.
– Seu avô é super protetor, filha. E, acredite, filha, poucas pessoas teriam coragem de provocar a mim e à sua avó.
– Sério?
– Sério. Posso retomar a história?
– Claro – sorriu a menina.
– Já era final da tarde, o sol se punha e uma garoa fina começava a cair. Caminhávamos em direção aonde estava o coche que nos esperava para nos levar ao palácio quando escutei um choro. Deixei as compras com a sua avó e fui em direção ao som. Lá, num grande cesto de vime, encontrei você, chorando, suja, enrolada numa manta esfarrapada. Eu não pensei duas vezes: peguei você no colo e a acalmei e você logo dormiu em meus braços. Quando voltei para onde minha mãe me esperava, já havia tomado a decisão de cuidar de ti como tenho feito até hoje.
– Mãe, eu nunca perguntei isso mas porque a minha outra mãe me jogou fora? A senhora sabe?
Galawel coçou a cabeça, sem graça, como se não soubesse o que responder. Por fim ela respirou fundo, como se tomasse coragem e respondeu:
– As pessoas são tolas, são supersticiosas, minha filha. O povo costuma dizer que elfos como você, de pele morena, dão azar.
– E eu dou azar, mãe? Isso é verdade? – perguntou a menina, triste.
– Que bobagem, filha – disse Galawel, abraçando a menina e encostando a cabeça dela contra o seu peito. – Você nunca me deu azar, Ártemis, você é um presente que a vida me deu. Você e seus irmãos, Tristan e Diana, são o meu tesouro, eu não trocaria vocês por nada desse mundo, viu?
– Tá – disse a menina, com um ar um pouco triste mas já esboçando um sorriso.
– E nunca, mas nunca aceite que alguém diga que você dá azar, ok?
– Tá bom. Mas o que eu faço se a pessoa insistir nisso? Bato nela?
– Não, claro que não filha, violência nunca é a melhor resposta. Se alguém te perseguir por causa da sua aparência, venha falar comigo. Ou melhor, fale com meus pais, seus avós. Garanto que eles terão um jeito todo especial para lidar com essa pessoa.
– Conhecendo o vovô, já até imagino qual seja o jeito….
A princesa começou a rir alto diante do comentário da filha.
– Filha, como diria o seu avô, você é uma figura. Boa noite, meu amor e sonhe com os anjos.
– Boa noite, mãe.
Galawel arrumou as cobertas sobre a filha, beijou a testa dela e saiu do quarto, fechando a porta com cuidado.
Fim