Parte 1
Posto da Guarda Real em Swordia. Uma visivelmente irritada Galawel entrou neste e foi ao ao encontro do seu pai e do seu tio que estavam numa das salas do lugar.
– Como assim aparece alguém por aqui perguntando pela minha “outra mãe” e vocês não me avisam?
– Calma, filhota, a gente acabou de saber.
– Exatamente, minha sobrinha, é exatamente como teu pai disse. Aliás, como soubestes tão rápido?
– Minha tia me contou por telepatia, ela achou que eu tinha o direito de saber.
– E eu concordo com a minha cunhada, eu só queria conversar com ele antes, apenas isso, filha.
– Acontece que a responsável por falar com os suspeitos, pai, sou eu, afinal eu sou a capitã da guarda mas claro, se o senhor quiser vir comigo bancar o detector humano de mentiras você será bem vindo. Mas quem faz as perguntas sou eu, ok?
– Sim “senhora” – sorriu Lucca batendo continência para a filha.
– Sem continência, “senhor general”, só me deixe fazer o meu trabalho, ok?
– Ok. Às vezes eu gostaria de saber de onde você puxou esse seu jeitão sério que você incorpora quando está à trabalho, filhota…
– Tem gente que não tem espelho em casa – comentou, baixinho, Sieg.
– Você falou algo, irmão?
– Eu? Falar algo? Nada, que isso…
– Ok, agora se Laurel e Hardy já acabaram acabaram com o seu stand-up podemos ver o suspeito?
– Claro!
Galawel entrou na sala onde o autoproclamado comerciante se encontrava. Ele era um homem de uns 30, 35 anos, cabelos castanhos mal cuidados, barba rala, uma cicatriz na bochecha esquerda e se encontrava sentado numa cadeira junto de uma mesa. Gala puxou uma segunda cadeira e se sentou em frente à ele, mantendo a mesa entre os dois enquanto seu pai e seu tio ficaram parados num canto da sala aproveitando a sombra que tomava conta daquele canto para não chamar atenção.
– Uma mulher vai me interrogar?
– Algum problema com isso?
– Da onde eu venho isso é o papel dos homens.
– Aqui não é o sua terra. Eu sou a Capitã Galawel da Guarda Real.
– Capitã eu gostaria de saber porque eu estou preso e porque tem dois homens imensos parados nas sombras de braços cruzados me olhando como se fossem me enforcar com as minhas tripas.
– Você não está preso, só foi convidado para prestar esclarecimentos, apenas isso. Quanto aos dois homens imensos nas sombras, bem, colabore e eles não lhe farão nada, eu garanto. Agora, qual o seu nome e profissão?
– Me chamo Einek, sou um comerciante, viajo fazendo a rota entre o sul de Arlon e as cidades do norte do continente.
– Só comerciante?
– Só comerciante, senhora.
– Você estava fazendo perguntas sobre uma moça chamada Flor de Lis, uma elfa loira, correto?
– Sim senhora.
– Da onde você à conhece?
– Não a conheço senhora, ao menos não pessoalmente.
– E no entanto perguntavas por ela? Quem lhe pediu para fazê-lo?
– O pai dela me é um velho conhecido, senhora, ele se encontra velho, doente e deseja ver a filha novamente. Ele me deu o nome da cidade onde achava que ela morava mas lá disseram que ela foi embora com um meio elfo e eu fui perguntando, perguntando e aqui cheguei.
– Certo. O pai dela lhe deu algum recado para dar à ela?
– Sinto muito, senhora, mas este recado eu só posso dar à ela pessoalmente, não me leve à mal.
– Não levarei. Pois bem, estás livre.
– Capitã, a senhora me permite fazer uma pergunta?
– Pois bem, faça.
– Aonde eu posso encontrar afinal a Flor de Lis?
– Infelizmente no cemitério local, Flor de Lis faleceu à mais de vinte anos.
– A senhora tem certeza?
– Tenho, ela era minha mãe.
Dito isso, Galawel se levantou e se retirou da sala seguida por seu pai e seu tio. Os três foram para outra sala, isolada.
– E aí? Quanto do que ele disse é verdade? -perguntou Gala.
– Quase tudo. Ele é um comerciante de fato, mas é mais alguma coisa, ele não chegou aqui exatamente “perguntando”, seu “avô” não está doente, está velho, deseja ver a filha mas não está doente. E não era um recado que ele tinha para ela. Não sei o que era pois eu não leio mentes, mas não era um recado, com certeza.
– E agora, sobrinha?
– E agora nada, tio, vou falar para os soldados locais ficarem de olho nele, mas só. Tecnicamente ele não cometeu nenhum crime, não que a gente saiba.
Passados dois dias, o “comerciante” partiu da cidade, tomando o rumo do norte, de onde ele viera. O tempo todo enquanto ele esteve no território do Reino de Arlon sempre tinha um soldado ou espião deste o seguindo e, até ele cruzar a fronteira, nada de suspeito ele fez.
Fazia quase um mês desde o interrogatório quando uma carta chegou ao posto da guarda em Swordia, destinada à Galawel enviada por Lord Olifar, senhor da cidade de Vallah, que vinha à ser o avô biológico de Gala e um primo distante dos reis de Arlon e Erdan.
O conteúdo da carta era o tema de uma conversa no castelo real de Arlon, reunido os reis deste reino, o rei de Erdan, Galawel e seus pais, Lucca e Ardriel.
– Eu não gosto disso, definitivamente. Tem algo de errado, tem “caroço nesse angu” – reclamava Galawel.
– Eu me divirto com essas vossas expressões, minha neta – disse, calmamente, Tauron. – O que te incomoda tanto?
– Tudo, vovô, tudo. Esse “avô” do nada me procurar, o fato do meu pai ter dito que o tal “comerciante” mentiu ao dizer que tinha um recado a ser dado para minha mãe e esse convite. Ele nunca se importou com a filha, que foi resgatada pelo meu pai de uma pocilga onde ela estava prestes a ser transformada numa escrava sexual. Sem falar na fama de Vallah como cidade.
– De fato, Galawel, Vallah tem leis um tanto diferentes das nossas, mas não costuma ser um lugar ruim – comentou o rei Tiron.
– Com todo o respeito, majestade, não consigo imaginar um lugar onde a escravidão é legal e onde mulheres são consideradas inferiores aos homens como um lugar bom.
– Já te disse, Galawel, para me chamar pelo nome ao menos, antes de ser vosso rei sou vosso tio avô. E eu entendo vossa revolta com relação à maneira que tratam as mulheres lá, mas tens que entender que, infelizmente, o modo de pensar de Arlon e Erdan, onde todos são iguais independente de seu sexo não é a regra nesse mundo e sim a excessão. Temos feito o máximo para mudar esse pensamento ao longo dos séculos e várias nações já mudaram as leis graças à nossa influência, mas mesmo aqui em Arlon, principalmente no interior, temos resistência à essa maneira de pensar. E quanto aos escravos, de fato eu sou contra, mas lá os escravos basicamente são pessoas que não conseguiram pagar suas dívidas e se venderam com escravos, de maneira permanente ou temporária ou prisioneiros de guerra. Não tem nada a ver com cor de pele, raça ou religião como chegou à ocorrer no mundo natal do vosso pai. É um costume antigo daqui e que muitas nações mantiveram.
– Desculpe, majestade, quer dizer, Tiron, eu não consigo deixar de ser formal em situações como essa, aqui no palácio.
– Nós entendemos, querida, mas aqui, agora, estamos tendo uma reunião de família, não numa reunião formal, vós podeis relaxar um pouco – comentou, sorrindo, a rainha Ahmawen.
– Minha cunhada está certa, minha neta, eu sugiro que aceitemos o convite de Lord Olifar e descubramos ao vivo se de fato há angu neste caroço como dissestes.
– Vô, é caroço no angu a expressão e e eu entendi bem? O senhor irá conosco?
– Exatamente, esses velhos ossos estão precisando de uma viagem para relaxar e fazem séculos que eu não visito Vallah. Sem falar que a minha companhia provavelmente fará Lord Olifar não tentar nenhuma “gracinha” como vosso pai costuma dizer.
– Pai, mãe, vocês estão de acordo com isso?
– Minha filha, quando teu avô enfia algo na cabeça é difícil convencê-lo do contrário. Afinal, de quem você acha que a sua mãe puxou o gênio dela?
– Sei lá, da minha avó?
– Minha mãe era uma pessoa de personalidade forte, mas de fato a minha teimosia veio do meu pai mesmo.
– Deixando a minha personalidade de lado, creio que a questão de quem vai ou não na viagem já está decida, não é mesmo? Só temos que acertar agora os detalhes.
Galawel fez menção de protestar mais uma vez, mas ao ver o olhar no rosto dos seus pais e dos seus tios avós entendeu que era uma causa perdida e aceitou a ideia de ter o seu avô como companheiro de viagem.
Fim da Parte 1
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