Um mês depois dos acontecimentos em Ahmix, Gala fora chamada na casa do seu tio Sieg para buscar a espada que ele consertara.
Ao chegar nesta, a elfa encontrou o tio assando carne num braseiro e tomando chimarrão (ou chá real como era chamado por lá).
– Quando eu vejo uma cena assim eu fico em dúvida se estou em Swordia ou no Rio Grande do Sul – brincou Gala.
– Seja bem-vinda, sobrinha. Aceita um pedaço de carne?
– Depois, tio, mas agora tô curiosa em ver como ficou a espada.
– Hahahaha… O tempo passa e tu não mudas nada… Vamos lá na minha oficina.
Sieg fez sinal para seu filho Karlon ficar cuidando das carnes e foi até a oficina, seguido por Gala.
Ao entrar ele apoiou a cuia de chimarrão que trazia na mão numa mesa e foi até uma prateleira onde repousava a espada que ele havia consertado. Ele pegou esta e a entregou para a sobrinha, que ficou a admirar os detalhes da espada enquanto segurava essa.
Se Flaitin, a amada espada da Galawel fora feita imitando as espadas japonesas do mundo natal do pai dela, essa espada, por sua vez, fora feita no formato de uma típica espada do continente central de Noritvy, num formato que lembrava bem as espadas europeias lá da Terra, tendo uma lâmina mais larga (e um pouco mais curta) do que a Flaitin e um cabo trabalhado com um guarda mão mais largo.
– Tio, por que tem um traço abaixo da sua assinatura, no pé da lâmina, junto do cabo?
– Isso é um padrão que nós ferreiros adotamos, sobrinha. Sempre que reforjamos uma lâmina, colocamos essa linha abaixo da nossa assinatura, deixando claro que nós não somos o criador original da lâmina em questão. Aliás, enquanto desmontava o cabo para poder consertar a lâmina, eu achei a assinatura do ferreiro que originalmente forjou a espada, era um ferreiro anão famoso.
– Que legal! E o senhor a consertou usando que material?
– Quando o vosso pai estava fazendo o inventário do tesouro da caverna, ele achou um pequeno lingote de prata trabalhada e eu usei este para consertar a lâmina e reforçar a resistência dela. Graças à isso eu consegui embutir duas magias nela.
– Duas magias, tio? Quais?
– Antes disso, não notastes mais nenhum detalhe na lâmina? Talvez no outro lado, no lado contrário de onde eu coloquei o meu brasão?
A jovem elfa virou a lâmina e viu uma pequena aranha gravada na base da lâmina.
– Uma aranha? Eu gostei, faz sentido.
– Eu pensei em batizar a espada, agora reforjada, de Flaispid, que tal?
– “Flaispid”, “lâmina aranha”, é soa bem, agora, tio, para de enrolar, quais magias o senhor pôs na espada?
– Hahahahahah…. Bem, de cara eu pus a magia de lâmina fantasma, para que possas cortar apenas o que quiseres quando estiveres usando a espada. E, a outra magia, inicialmente eu pensei em por uma magia de retorno que nem a da Flaitin, mas, inspirado no fato da espada não ter caído da vossa mão mesmo quando fostes arremessada longe e, para justificar o nome dela, eu apliquei uma magia nela que faz que ela só solte da vossa mão caso vós queirais. Que nem uma aranha, que é capaz de grudar nas coisas.
– Gostei, minto, adorei, tio, adorei mesmo!
– Fico feliz. E agora, aceitas aquela carne que eu ofereci?
– Claro!
Gala guardou a espada na bainha que o tio tinha feito para esta, pendurou ela no ombro usando a alça da bainha e, junto com ele, tomou o rumo do braseiro onde a carne estava sendo assada.
– Aliás, sobrinha, eu soube que o “ex conde” Ragar esteve lá no palácio de Erdan e teve uma recepção pouco amistosa. Meus filhos, ao saberem que estavas vindo para cá, disseram que iam lhe perguntar os detalhes.
– Pouco amistosa é bondade sua, tio, mas deixa a gente se reunir com os outros para eu contar tudo de uma vez só.
– Perfeito.
Tendo os dois se reunidos com a tia de Gala, Liliana e com os primos dela, Jasmin, Rosa e Karlon, a elfa finalmente começou a contar a história que eles tanto queriam escutar.
– Parece e eu digo parece pois ele não teve tempo de argumentar direito, que o “ex-conde cagão” Ragar foi ao palácio para suplicar o apoio do meu avô numa tentativa patética de reaver o seu posto. Só que o meu avô estava reunido com oficiais do reino. Assim, os funcionários do cerimonial do palácio o levaram para se encontrar com as duas pessoas da família que estavam “à toa” e que se dispuseram a falar com ele: a tia Rubi e a minha irmã Beca.
– Putz, quase sinto pena dele, mas, por favor, continue, prima – comentou Karlon com um sorriso no rosto.
– Pois bem, ele foi conduzido à uma sala de reuniões e lá encontrou a tia Rubi sentada atrás de uma mesa e a Beca em pé ao lado dela. Antes que ele tentasse falar algo, a Beca, com a autorização da minha tia, tomou a palavra. E eu faço questão de repetir o que ela disse, palavra por palavra, para vocês: “Ô seu arrombado de merda, você tem muita cara de pau de aparecer por aqui. Você não passa de um bundão sem palavra que não foi nem homem de cumprir a aposta que fez com a minha irmã. Meu avô não tem tempo para perder com um merda como você. Queira por favor levar os seus argumentos e o seu mimimi para a casa do car**** e nunca mais aparecer por aqui”.
Neste momento o relato de Gala foi interrompido por Sieg que se engasgara com o chimarrão de tanto rir.
– Tio, o senhor está bem? – perguntou, assustada, Gala
– Estou ótimo – retrucou Sieg enquanto limpava o resto de chimarrão da barba e do bigode. – Agora, por favor, continue, quero saber a reação da vossa tia.
– Ok, ok. A tia Rubi ficou alguns instantes calada pois quando a Beca pediu para falar, ela não disse o que falaria precisamente. Diante do estado de quase choque do ex-conde, a minha tia deu de ombros, disse que a Beca tinha razão em dizer que o meu avô não tinha tempo a perder com um político corrupto e o convidou a se retirar da sala e do castelo.
– Bom, de fato ela foi mais educada que a Beca. Seca, pelo que relatastes, mas mais educada – comentou Liliana. – Depois disso ele foi embora, certo?
– E praga vai embora fácil, tia? Com a ajuda de um nobre de Erdan que costumava ser parceiro dele de comércio e que estava acompanhado ele, conseguiu falar com o Aron.
– Aí não tem graça, o Aron é de longe o mais diplomático de todos vós – falou Rosa.
– Sim, prima, mas ele também domina a capacidade de ofender alguém diplomaticamente como ninguém.
– ?
– Você já vai entender. O Aron pediu desculpas pelas palavras de baixo calão proferidas pela Rebeca, dizendo que, embora ele concordasse com o que ela pensava sobre ex-conde, ainda assim ela não deveria ter dito o que disse numa reunião formal e, assim, ele pedia desculpas em nome dela, pelo comportamento inadequado dela numa reunião de negócios.
– Hahahahaha – gargalhou Rosa. – Entendi agora. Ele conseguiu xingar o “ex conde cagão” novamente enquanto pedia desculpas por ele ter sido xingado.
– Calma que não acabou por aí – riu Galawel.
– Tem mais? – comentou Jasmin.
– Tem! Após serem dispensados pelo Aron, o tal nobre que tava acompanhando o Ragar sugeriu que ele ficasse alguns dias na cidade e tentasse uma última reunião com a minha mãe. Aron, que já havia tomado um rumo diferente do deles, ainda assim escutou isso e ao escutar isso, retornou para dar um último alerta: que ele desistisse de importunar a nossa mãe com tal questão, pois a única coisa que ele ganharia da minha mãe seriam queimaduras de primeiro e segundo graus já que, com certeza, ela tacaria fogo nas calças dele com ele dentro por ter ofendido a filha favorita dela.
– Isso é a cara da tia – ria, alto, Karlon. – E ele bem que merecia.
– É, minha mãe seria bem capaz disso. Só não concordo com a parte da filha favorita… Vocês também acham que foi um exagero do Aron, né?
Um silêncio tomou conta do local. Até os grilos se ouviam.
– Bem, sobrinha, eu sou obrigado a discordar totalmente de ti – falou, meio sem graça, Sieg. – Vossos pais se esforçam para tratar todos vós de maneira igual e tratam. Mas claramente tu és a filha favorita deles.
– …
– Vamos deixar isso de lado e comer? Não sei vós, mas eu estou morrendo de fome – falou Liliana, com um sorriso maternal, quebrando o “clima chato” que ficara no ar.
Todos os presentes concordaram e, como uma família feliz e unida, aproveitaram aquele churrasco até o fim da tarde.