O Bosque Branco

Parte 1

Três jovens elfas cavalgavam na região oeste do Reino de Arlon, tendo como destino uma pequena vila perto das Montanhas Negras, onde elas passariam a noite, antes de irem para o seu destino final: o Bosque dos Pinheiros Brancos dos Alto Elfos de Nidhem.

O tempo não estava à favor delas. Uma praga de gafanhotos mágicos havia sido solta no Reino de Arlon após mais de um milênio aprisionada e, na Biblioteca do Bosque, se encontrava provavelmente o único livro que continha a magia que havia sido usada para sela-los no passado.

Tendo chegado na vila, já ao pôr do sol, elas apearam dos seus respectivos cavalos e se identificaram ao guarda que estava de plantão no portão desta. Conduzindo seus cavalos pelas rédeas, as jovens seguiram o caminho indicado pelo patrulheiro e logo chegaram à hospedaria onde deveriam passar a noite, um simples prédio de pedra, com três andares, simpáticas janelas verde pistache, um telhado também cor de pistache e com um estábulo anexo. Acomodaram suas montarias no estábulo do local e entraram no salão principal desta.

Aqueles que la estavam se impressionaram com as três quando estas jogaram os capuzes de suas capas para trás. Mas o espanto era justificável: a chegada de três elfas lindas, duas loiras, quase idênticas e uma de cabelo castanho claro, usando trajes de viagem que demonstravam ter um certo poder aquisitivo não era algo que acontecia todo dia por aquelas bandas, principalmente quando uma delas carregada duas espadas reluzentes presas na cintura e olhava todo o salão como se estivesse inspecionando este (o que, de fato estava fazendo).

Cansadas como estavam da viagem, trataram, logo após de reservar o seu quarto no segundo andar da hospedaria, de se dirigir a uma mesa no canto do salão à fim de jantar e repousar um pouco os quadris após uma tarde de cavalgada.

– Bem que o tio podia ter nos teleportado mais para perto do Bosque, né Gala? – comentou Rosa, uma das duas elfas loiras, quase idênticas.

– Já te falei, prima, o meu pai nos mandou para o lugar mais perto possível do Bosque – respondeu Galawel, que vinha a ser a elfa portando as duas espadas. – Parece que existe alguma barreira mágica anti-teleporte nessa região, instalada pelos elfos do bosque, como parte do isolacionismo extremo deles. Por isso também que temos que chegar lá amanhã de manhã apenas, no horário que eles costumam receber delegações externas. E teremos que ser bem sutis.

– Por isso que você deixou o seu grifo para trás e veio a cavalo, prima? – perguntou a outra elfa loira.

– Exatamente, Jasmin. Aliás, a gente tá indo para a terra natal da mãe de vocês. O que vocês sabem dela?

– Não muita coisa. Nossa mãe não costuma falar muito de lá. Os pais dela saíram de lá antes dela nascer e nunca voltaram para lá. Vosso pai falou alguma coisa?

– Fora que o Bosque seria mais ou menos uma versão local de San Marino, mas em vez de ser habitada por pessoas simpáticas como os san-marinenses, é habitada por um bando de elfos pedantes, eugenistas que se acham melhores do que todo mundo? Não, nada.

– Não conheço essa tal San Marino, mas a definição dada pelo vosso pai sobre os habitantes foi perfeita, alteza.

As três se viraram em direção à voz que pronunciara tal frase e viram, parado ao lado da mesa delas Lorde Arduim Ralit, o Visconde de Thundering, um idoso meio elfo que era membro da corte do Reino de Erdan, reino este que se situava ao sul de Arlon e que era governado pelo avô de Galawel, o Rei Tauron.

– Visconde, o que o traz aqui, tão distante de Erdan? – perguntou Galawel, surpresa com a presença do nobre, famoso por evitar viagens longas, naquela cidade tão distante do seu lar.

– Já lhes disse, princesa, que podes me chamar de Lorde Ralit, não precisas usar títulos para se referires à mim. E, respondendo vossa pergunta, casualmente vim tratar de negócios na região, alteza, e fui informado de vossa missão por pessoas de confiança. Sabendo que estarias aqui, vim lhe oferecer um conselho, se me permites.

– Conselhos são sempre bem-vindos, como eu aprendi com meus pais.

– E nesse ponto eles lhe ensinaram perfeitamente, alteza. Pois bem, imagino que vossa alteza pretendia assumir a liderança da negociação com o Ancião Mor, o líder dos elfos do Bosque, certo?

– Sim, certo.

– É como eu imaginava. E o meu conselho é o seguinte: não faça isso, deixe que vossas primas assumam a dianteira, comporte-se como se fosse apenas a escolta delas.

– Posso saber o motivo? – perguntou Rosa. – A minha prima é claramente mais preparada do que eu ou a minha irmã para lidar com esse tipo de situação. E ela é uma princesa enquanto eu e minha irmã somos apenas filha de um duque, desprovidas de título formal.

– “Apenas”. Tenho meus conflitos com vosso pai, minha jovem, mas se tem uma qualidade dele que aprecio é a humildade e vejo que que herdastes essa dele. Como bem dissestes, és a filha de um duque, então não és “apenas alguém”, tens sangue e isto é o que os pedantes do Bosque mais valorizam: sangue, berço. Diferente da princesa, senhorita, tu e vossa irmã carregais nas vossas veias o sangue de Antigon, o último rei uno dos elfos e antigo suserano dos elfos do Bosque. Invoqueis este elo de parentesco e eles terão que, ao menos, ouvir o que tens a dizer, não poderão barrá-las na entrada do Bosque. Ah, mais um detalhe: mencioneis o vosso parentesco com Antigon, mencioneis se quiseres o sobrenome de vosso pai, mas não mencioneis o sobrenome de vossa mãe.

– Por quê?

– Vós sabeis o que significa “Arin”, o sobrenome de vossa mãe?

– Não.

– “Arin” é o título que os elfos do bosque dão àqueles que são banidos e expulsos de lá. Numa tradução superficial seria algo como “proscrito”. Vossos avós maternos, quando fugiram do bosque, adotaram esse sobrenome como uma piada, uma piada muito boa, a meu ver, mas desconfio que o conselho dos anciões do Bosque não achará graça nisso. Agora, se me dão licença, esses velhos ossos precisam se descansar.

Arduim fez uma mesura às três e se preparava para tomar o rumo do seu quarto quando Gala o chamou, fazendo que ele novamente se virasse na direção das jovens.

– Visconde, o senhor está bem de saúde?

– Estou ótimo, por que perguntas?

– O senhor me defendeu recentemente na discussão com o agora ex-conde Fioriz e hoje veio de bom grado nos aconselhar sobre a missão de amanhã. Só falta o senhor convidar meu pai para um jogo de xadrez acompanhado de uma boa cerveja para conversar como velhos amigos….

O idoso meio elfo começou a gargalhar diante da frase de Galawel. Passados alguns instantes, depois de recuperar o fôlego, ele finalmente a retrucou.

– Como eu já disse, alteza, estou ótimo, minha saúde física e mental está excelente. Quanto aos pontos levantados por vós, bem, me permita rebater um por um. Com relação ao ex-conde, como eu disse naquela vez, eu apenas defendi a neta do meu suserano, cumprindo o meu dever de vassalo. Já a ameaça atual dos gafanhotos diz respeito, a meu ver, a todo o continente, quiçá à todo o mundo, não só à Arlon e, assim, não poderia ficar de braços cruzados, não é mesmo? E, por fim, não me leves à mal, mas, com todo o respeito, não quero ofendê-la, mas acho que preferiria convidar um orc bêbado para jogar xadrez comigo do que o vosso pai.

Desta vez foi Galawel que começou a chorar de rir.

– Visconde, acredito que, no que diz respeito ao meu pai, a recíproca seja verdadeira – falou a jovem elfa enquanto secava as lágrimas dos olhos.

– Então ficamos assim combinados – sorriu o velho visconde. – Agora, se me deres licença, eu realmente preciso descansar.

– Claro, claro, pode ir, nós iremos também daqui a pouco. E, mais uma vez, muito obrigada.

– Foi um prazer, alteza.

Lorde Arduim fez uma nova mesura em direção às jovens e se retirou para os seus aposentos.

Fim da Parte 1

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