Uma bela tarde se desfraldava na cidade de Erdan, capital do reino de mesmo nome. Já havia se passado dez anos desde que Lucca resgatara Ardriel e que eles finalmente haviam começado uma família só deles. Lucca treinava sua filha mais velha, Galawel, uma moça de quatorze anos, quase quinze, sendo observado por sua esposa, Ardriel, por sua irmã adotiva, Vali, e pelos três filhos desta.
– Sabe, Dri, eu ainda não entendo essa decisão de vocês criarem os seus outros filhos, ao menos por enquanto, só na Terra. Se tem algo em que eu e o traste do meu ex concordamos é que Noritvy tem muito a oferecer aos nossos filhos. E tem também aos meus sobrinhos. Eles são príncipes aqui e nem sabem disso.
– Justamente por eles serem príncipes, cunhada, que optamos por, por enquanto, criá-los só na Terra.
– Como assim?
– Bem, príncipes sempre estão cercados de luxos, mas também de responsabilidades e de pessoas querendo influenciá-los para se dar bem, prontas a ensinarem que eles são superiores aos outros quando na verdade não o são.
– Mas você e o meu irmão não pensam assim. E nem o seu pai pensa assim, é só ensina-los a não pensar assim.
– De fato, cunhada, meus pais me ensinaram bem, me educaram bem. Mas eles tinham apenas uma filha para cuidar, eu tenho cinco, não é mesmo? Fica mais difícil controlar as influências externas sobre eles. É diferente com os seus filhos, eles são nobres, sobrinhos da princesa herdeira de Erdan e Arlon, mas só. Não são herdeiros de terras e nem de títulos, não por enquanto, então eles não atraem tanta atenção.
– Visto por esse lado…
– Nós pretendemos trazer os meninos para cá, claro, mas na hora certa, quando já tiverem com seu caráter mais ou menos formado, sabe? Quando já tiverem aprendido que todos somos iguais e seremos sempre iguais.
– Faz sentido, eu já tenho trabalho com esses três, imagina vocês com cinco. Aliás, sabe qual a nova que os meus meninos inventaram?
– Qual?
– Que eles querem treinar logo com o tio deles e com a prima Gala. O Cinho cismou até que já é forte e grande o suficiente para ter uma espada de verdade. Vê se pode, um garoto de oito anos querendo uma espada com fio. Eu mereço.
– Mas eu sou forte, mãe – protestou o garoto, se metendo na conversa. – Vou ser até mais forte que o tio Lucca um dia, você vai ver.
– Está bom, meu filho, você pode até querer, mas para chegar no seu tio você vai ter que comer muito arroz com feijão ainda….
Ardriel nada disse, só começou a rir diante do comentário da cunhada e da declaração do sobrinho.
O clima continuou leve e tranquilo até que a irmã caçula de Ardriel, Rubi, uma elfa forte, larga e muito parecida com a irmã, entrou correndo no pátio do castelo onde eles se encontravam. Ela primeiro falou com o cunhado e com a sobrinha e depois os três foram até onde Ardriel, Vali e as crianças estavam.
– Que foi, irmã, para entrar assim correndo? – perguntou Ardriel, preocupada.
– As… Ruínas…. de Centralia, Dri… – falou Rubi, de maneira atrapalhada e esbaforida.
– O que tem elas? Respire e fale com calma, Rubi.
– Querida, parece que algo aconteceu lá – se meteu na conversa Lucca – E o seu tio, o rei Tiron, precisa nos ver o mais rápido possível.
– Então nos leve logo para Arlon, amor – retrucou Ardriel.
– É para já.
Sem fazer o mínimo esforço, Lucca teleportou os oito ali presentes para um dos pátios do castelo real de Arlon, situado na cidade de mesmo nome. Ao serem informados de que o rei se encontrava no salão de guerra, os adultos optaram por deixar Gala cuidando dos primos enquanto iam falar com o rei.
Ao chegarem no salão, encontraram o rei conversando com Sieg, Liliana, esposa deste, General Alond Leos, conselheiro militar do reino, e um velhinho de robe azul que eles não esperavam ver ali e que, na verdade, era nada mais nada menos que Raio Azul, senhor dos dragões azuis e, provavelmente, o mais velho e mais poderoso ser vivo daquele mundo.
– Bem, meu tio, aqui estamos. O que houve? – perguntou Ardriel ao rei.
– Sejam bem-vindos e, quanto à sua pergunta, bem, acho que imagem responde melhor ao que tenho a dizer. Liliana, por favor, se puderes…
– Com prazer, majestade.
A loira elfa de mãos delicadas fez surgir no ar uma esfera de energia e nesta os recém-chegados começaram a ver uma paisagem familiar para todos. Era as ruínas da antiga vila de Centralia, que havia sido construída perto de onde a antiga cidadela voadora dos falsos deuses, que no passado tinham dominado o continente, havia sido derrubada e explodida.
Por mais que o lugar fosse familiar, uma coisa chamou a atenção deles: uma torre de pedras enegrecidas, cheias de runas, havia surgido perto de onde a fortaleza havia tombado no passado.
– O que é esta torre? – perguntou Lucca.
– Este, rapaz, é um dos seis pilares negros dos velhos deuses – respondeu Raio Azul. – No passado existiram seis deles, cada um “guardado” por dois dos deuses. Quando os deuses foram derrotados e quase todos mortos e sua fortaleza destruída, os pilares implodiram e desapareceram. Ao menos até ontem.
– Ontem de noite, segundo os relatos, o pilar surgiu do nada, como por um passe de mágica – complementou o general Alond – E segundo estes, duas criaturas sinistras saíram deste: uma dama usando uma armadura cor de vinho e um homem usando uma armadura cinzenta com máscara de caveira, ambos cavalgando cavalos esqueléticos.
– Pela descrição, lembram bastante Stalina, a antiga deusa da vingança e da carnificina, e Westh, antigo deus da guerra. E, de fato, este era o pilar deles – falou Raio Azul.
– Mas eles não deveriam estar mortos? – perguntou, preocupada, Rubi.
– Nem todos os falsos deuses foram mortos, jovem princesa – retrucou Raio Azul. – Esses dois, conhecidos também como os irmãos sangrentos, foram os dois últimos a serem derrotados e a minha falecida amiga Alvia, então senhora dos dragões brancos, optou por não matá-los e os aprisionou num cristal. Agora, pelo jeito, essa prisão foi quebrada.
– Ok, tudo bem, mas porque estamos perdendo tempo nessa conversa? Pelo que me conste no passado foi preciso um exército gigantesco para deter os doze, tudo bem que agora são só dois, mas não deveríamos estar preparando um exército? – falou, agitada, Rubi.
– Minha jovem, se acalme – disse o velho dragão. – De fato, no passado foi preciso um grande exército, mas eles também tinham um grande exército ao seu lado, o que não ocorre agora.
– Excute as sábias palavras de Raio Azul, minha sobrinha – falou o rei.
– Ademais, princesa, Raio Azul já mandou outros dragões verificarem os locais dos outros pilares e nenhuma atividade foi detectada – completou Alond.
– Viu, cunhadinha? Eles tem tudo sobre controle – provocou Lucca, tentando dar uma amenizada no clima.
– De fato, irmã, meu marido tem razão, eles lidam com esse tipo de situação desde antes de vós nascerdes. Se eles dizem que está tudo bem, está tudo bem então.
– Certo, vou tentar ficar calma, mas o que será feito dos dois supostos deuses que foram vistos saindo da tal torre? Não podemos deixá-los livre por aí, certo? E o quão poderosos são eles afinal?
– Bem, senhorita, considerando o tempo que passaram presos e tudo mais, acredito que eles estejam no mesmo nível de poder de vosso cunhado, Lukhz – respondeu Raio Azul – E eu ofereci para pôr alguns dos meus meninos no encalço deles, mas vosso tio frisou que os problemas de Arlon devem ser resolvidos por Arlon.
– E é por isso que mandaram me chamar, certo? – sorriu Lucca.
– Exato, rapaz, como campeão do reino, gostaria que fôsseis atrás deles. Não hoje, podeis partir amanhã, mas gostaria de contar contigo nesse caso, Lukhz – falou o rei.
– Vosso pedido é uma ordem, meu rei.
– Aliás, irmão, todos nós concordamos que é melhor que lides com essa situação mais discretamente possível, certo? – disse Sieg, que até então se mantera calado.
– Ok. Imagino que o ideal seja que eu leve mais um pessoa comigo no máximo, correto?
– Com certeza.
– Ótimo, já tenho a pessoa certa em mente.
– Não se preocupe, cunhado, como sei que você e a Dri não estão querendo sair em missão ao mesmo tempo, sem deixar ninguém para trás para cuidar das crianças, irei com prazer ao seu lado – se ofereceu Rubi. – Já que o Raio Azul disse que eles não são tão perigosos assim, estou curiosa para conhecer eles.
– Ah, bem, cunhadinha, eu estava pensando em falar para a Vali ir comigo nessa missão…
– A Vali? – falou incrédula Rubi
– Eu?! – comentou a própria, assustada.
– Sim, você maninha, não era você que reclamava que desde que os meninos nasceram não tinha participado de nenhuma grande missão?
– É, bem, falei.
– Então, está aí uma grande missão. Sem falar que, corrijam me se eu estiver errado, mas os velhos deuses eram, em sua origem, magos, logo posso supor que esses dois são “guerreiros mágicos”, certo?
– Correto, rapaz – concordou Raio Azul.
– Pois bem, para enfrentar esse tipo de adversário o ideal é alguém como eles, capaz de usar magia e armas e, desculpa a sinceridade, cunhadinha, mas você tem os dons mágicos de uma ostra…
– Eu sei, não precisa me lembrar disso – resmungou Rubi.
– Então está combinado, amanhã, Lukhz e Vali, vós partirei cedo para rastreá-los – falou Sieg.
– Ok, irmão – assentiu Lucca
– Perfeito, mano – concordou Vali.
– Aliás, se encontrarmos eles, como devemos proceder, majestade? – perguntou Lucca.
– Lukhz, meu rapaz, és o campeão do reino há mais de dez anos, proceda como achares melhor – respondeu Tiron.
– Imaginava que esta fosse a sua resposta, majestade, mas não custava nada perguntar – comentou Lucca.
– Meu rei, mais alguma coisa que queres dizer? – perguntou Sieg, que, diante da negativa do rei com a cabeça, emendou – Ok, então vamos todos descansar e dormir, que amanhã a missão começa cedo.
Todos se despediram e se retiraram para descansar.
No dia seguinte, cedo, devidamente equipados, Lucca e Vali montaram em seus respectivos grifos e partiram rumo às ruínas de Centralia. Fora acertado entre eles e Sieg que aquele era o melhor lugar para rastrear pistas e descobrir o rumo preciso tomado pelos supostos deuses.
Os relatos coletados pelos irmãos apontavam que os seus alvos haviam tomado rumo da região norte e, de fato, não foi difícil achar o rastro deles. Os vilões se moviam de maneira incrivelmente rápida, deixando uma trilha de destruição e de templos religiosos profanados. Por onde eles passavam, oprimiam o povo e avisavam que os deuses estavam de volta e que todos os infiéis deveriam se arrepender.
Lucca e Vali já estavam viajando há uma semana sem que conseguissem alcançá-los. E o fato de os heróis constantemente pararem para ajudar os feridos que haviam no caminho, só permitia que os vilões abrissem uma maior distância com relação a eles.
– Ok, mano, vou falar isso para ele – disse Vali que conversava com Sieg enquanto Lucca prestava socorro a mais algumas vítimas – E os meninos não estão dando muito trabalho, estão? Não? Ótimo. Não, não se preocupe, eu direi, beijos.
O cavaleiro se aproximou da irmã e perguntou:
– E aí? Novidades?
– Sim, maninho. O Sieg disse que eles acham, pelo rota que estamos seguindo até agora, que os dois “deuses” devem estar tomando o rumo da vila de Granir.
– E o que tem de especial lá?
– Bem, hoje em dia é apenas uma vila que vive da mineração de granito, situada no limite norte do reino e habitada basicamente por anões, mas, no passado, foi o principal ponto de reunião dos fiéis dos “irmãos sangrentos”. E tem mais uma complicação, talvez.
– Qual?
– Lá tem uma grande quantidade de fiéis do Grande Escultor e uma grande estatua dedicada a ele. Se julgarmos a reação que eles tiveram diante das estátuas e templos que viram pelo caminho…
– Eles podem não gostar nem um pouco de ver a estátua de outro deus no antigo local sagrado deles.
– Exatamente, maninho, sem falar que os anões também não costumam levar desaforo para casa.
– É, realmente estamos diante de um barril de pólvora.
– O Sieg usou a mesma expressão. Aliás, segundo ele, o Raio Azul ficou de mandar uns dois dragões jovens para ajudar, mas esses devem demorar um pouco para chegar, então o nosso irmão pediu para tentarmos acelerar o ritmo de viagem.
– Certo. Mais algum recado?
– Não, quer dizer, a Dri mandou dizer que te ama muito, que está com saudades do marido, mas que não tenhas pressas para voltar, que é para você fazer o que deve ser feito, leve o tempo que levar.
– Ah, bem… – gaguejou Lucca um pouco sem graça.
– Maninho, definitivamente sua mulher sabe como deixar você sem graça e você fica fofo assim – sorriu Vali, provocando o irmão.
– Ok, ok, Lelé. Aliás, você não vai deixar esse troço de “maninho” de lado, né?
– Você vai parar de me chamar de Lelé?
– Não.
– Então, você vai continuar sendo o meu “maninho”. Agora, vamos, quanto mais tempo perdemos, mais tempo esses monstros ficam livres.
– Sim “senhora”.
Os dois irmãos montaram em seus respectivos grifos e, seguindo a sugestão do seu irmão mais velho, tomaram a rota direta para a cidade de Granir.
Eles já se aproximavam da vila quando, de cima, avistaram um pelotão de cavaleiros que vinha aparentemente do oeste e se dirigia rumo à estrada que seguia para Granir. Lucca, ao ver a bandeirola empunhada por eles, soltou um suspiro e, com um gesto, fez seu grifo voar em direção a eles. Vali nada entendeu, mas seguiu o irmão.
Os dois pousaram não muito perto dos cavaleiros, para não espantarem os cavalos destes e cavalgaram até a direção da tropa.
– Algum problema, maninho?
– Espero que não, Lelé, espero que não – resmungou Lucca.
Quando eles se aproximaram da tropa, Vali notou que todos os cavaleiros vestiam uma tabarda verde clara por cima de suas armaduras e que traziam o desenho de um peixe simplificado nesta. A bandeirola presa na lança do líder deles era uma bandeirola com uma ponta em rabo-de-andorinha, meio azul, meio verde com o mesmo peixe desenhado. Demorou um pouco, mas Lê logo reconheceu que aquele peixe era o usado pelos antigos cristãos da Terra como símbolo.
O líder da tropa se adiantou, tirou o capacete, revelando ser um homem de aproximadamente quarenta anos, cabelos castanhos um tanto grisalhos, algumas sardas na face e uma cicatriz no lado esquerdo do rosto.
– Há quanto tempo, “general” – falou ele, usando um tom um tanto irônico.
– Menos do que eu gostaria, “Sir” Harry. Posso saber o que você e o seu grupo de cavaleiros fazem por aqui?
– O seu rei avisou o governo da Cidade Cristã sobre os tais falsos deuses soltos e que eles poderiam eventualmente ver a Cidade Cristã como um alvo devido a aversão deles a qualquer culto que não seja o deles.
– Certo, mas isso não justifica a presença de vocês aqui.
– Bem, nós soubemos do caos que eles estão instalando aqui e resolvemos vir ajudar aqueles que precisam, afinal esse é o nosso propósito.
– Sei, ok. Bem, já que se deram ao trabalho de vir até aqui, podem ficar, mas lembrem-se: vocês estão em minha nação, logo, minhas regras, fui claro?
– Perfeitamente, “general”.
Um dos cavaleiros do fim da tropa resmungou algo claramente em inglês. Lucca olhou serio para Sir Harry e disse:
– Pelo jeito ou o seu novo recruta é da Terra ou andou estudando os idiomas de lá. Enfim, lembre os seus homens, Sir Harry, que eu falo inglês, além de português, francês, italiano e espanhol, fora os idiomas daqui. Então, se ele tem algo a dizer, que diga nos meus olhos ou se cale.
O tal cavaleiro saiu da formação e foi em direção à Lucca, cheio de arrogância:
– Quem é você, pagão, montado nessa besta para dizer o que o nosso líder deve ou não fazer? Sir Harry é um grande cavaleiro e é com orgulho que eu o sigo. Ele me acolheu quando vim da Terra para cá e não preciso aturar os desmandos de um bárbaro de um mundo atrasado como esse.
Demonstrando uma não usual irritação, Lucca arrancou o cavaleiro do cavalo, o erguendo pelo pescoço.
– Rapaz, se não sabes, eu sou católico, como você. E quem eu penso que sou? Sou Lukhz Bianchi, príncipe consorte e campeão deste reino e, como já descobriu, alguém bem mais forte do que você. Detesto me repetir, mas vou abrir uma exceção e falar de novo: meu reino, minhas regras. Fui claro?
Lucca arremessou o rapaz no chão, que foi acolhido pelos colegas e acabou por tomar uma bronca do seu líder.
– Desculpe pela indelicadeza do rapaz, general – falou Sir Harry, já num tom mais formal, não usando de ironia ao chamar Lucca de general – Aliás, tens alguma pista do paradeiro dos tais “deuses”? Viemos seguindo o rastro de destruição deles, mas ele simplesmente desapareceu.
– Segundo informações que nos foram repassadas, eles estão a caminho de Granir e é para lá que estamos indo.
– Se nos permite, iremos acompanhá-los e, não se preocupem, dou a minha palavra que seguiremos as suas ordens.
Os cavaleiros tomaram o rumo da cidade de Granir, sendo seguidos de longe por Lucca e Vali, que optaram a seguir por terra, uma vez que não se encontravam muito longe do seu destino.
– Maninho, afinal quem são eles?
– São os autointitulados “Cavaleiros Cruzados de Noritvy”.
– E? Nunca ouvi falar neles.
– Sorte sua. O líder e fundador deles, o autointitulado “Sir Harry”, autointitulado, pois nenhum monarca daqui ou da Terra concedeu a ele o título de cavaleiro, é um ex-soldado de elite inglês que depois de se desiludir com o exército, se uniu a uma ordem de leigos ligada à Igreja Católica, uma ordem de não religiosos que fazem votos parecidos com os feitos pelos franciscanos e outras ordens católicas e acabou sendo recrutado para vir para cá para ajudar na segurança da Cidade Cristã. Ao chegar aqui, ele que era um especialista em história militar se encantou com esse mundo e resolveu fundar sua própria ordem de cavaleiros.
– Tá e por que vocês não se dão? Porque ficou claro que você não gosta dele e ele não gosta de você.
– Ele costumava ser muito preconceituoso com relação os fiéis das outras religiões daqui, chamando-os de pagãos, de infiéis e se metendo em confusão por causa disso, por destratar pessoas de outras fés. O antigo Arcebispo costumava fazer vista grossa para isso, mas o atual Arcebispo, que é de uma família de antigos seguidores do Grande Escultor que se converteram ao catolicismo, parou de fazer vista grossa e até ameaçou de mandá-lo de volta para a Terra.
– Grande Escultor? Não seria o Arcebispo um anão, seria?
– Sim, o atual arcebispo é um anão e a escolha dele como sucessor pelo seu antecessor, mais a confirmação do Vaticano da escolha, foi uma grande surpresa.
– Escolha? E lá Arcebispo escolhe sucessor, maninho?
– Lá na Terra normalmente não, aqui sim. Digamos que por ser uma arquidiocese “secreta”, situada em outro mundo, o Arcebispo daqui goza de certos privilégios. Um deles dá a ele o direito de preparar uma lista tríplice de possíveis sucessores, sendo que nesta lista ele aponta o seu favorito. O Papa pode aceitar a indicação e escolher um dos três ou não, mas geralmente aceita, pois, geralmente, os três são bispos que servem ou já serviram aqui com bispos-auxiliares e conhecem bem os costumes e as maneiras deste mundo.
– É, faz sentido, não posso negar. Agora acho melhor apertarmos o passo, maninho, para sermos os primeiros a entrar na vila. Algo me diz que será melhor assim.
– Também acho.
Os dois irmãos aceleraram o ritmo de suas montarias, ultrapassaram os ditos cavaleiros cruzados e logo chegaram à Granir. Em vez de encontrarem uma tranquila e organizada vila anã, encontraram uma verdadeira praça de guerra, com casas destruídas, ruínas pegando fogo e gritos para todos os lados. Eles não tiveram dificuldade para perceber que os gritos e barulhos de briga vinham principalmente dos pés de uma imensa estátua que havia no lado oposto à entrada da vila.
– Sir Harry, sei que seus homens têm um grande treinamento em primeiros socorros e que alguns deles até sabem utilizar magia de cura, então eu quero que vocês ajudem os feridos e protejam as pessoas que estão fugindo da vila. Eu e minha irmã cuidaremos dos tais “deuses”.
– Com todo o respeito, general, meus homens também são grandes guerreiros – retrucou o cavaleiro.
– Nunca disse que não o eram. Mas pelo que foi dito, o desafio está um pouco acima do que vocês podem lidar. Cumpra minha ordens e, assim que o tiverem feito, se algum de vocês ainda assim quiser pôr a vida em risco enfrentando eles, bem, não os impedirei. Mas a prioridade agora deve ser proteger os inocentes, não?
– O senhor está certo, general.
Os cavaleiros logo se espalharam pela cidade, cumprindo a missão que os havia sido dada enquanto Lucca e Vali, junto dos seus grifos, partiram em direção à estátua. No meio do caminho os irmãos se viram obrigados a enfrentar dois tipos de criaturas estranhas: lobos que pareciam terem sido feitos de sangue coagulado e esqueletos em forma de gorilas.
Com alguma dificuldade, mas não muita, os dois irmãos foram avançando até o seu destino. Ao chegarem neste, encontraram um grupo de mais ou menos dez anões junto de uma barricada improvisada, aos pés da estátua, sendo atacados por duas figuras que emitiam uma aura sinistra. Um deles era uma mulher alta, de pele alva, cabelos vermelho-sangue que vestia um traje que ora assumia o formato de um vestido, ora o de uma armadura e que parecia ser feito de sangue vivo. O outro era um homem atarracado, com uma armadura branca, um branco envelhecido, e com uma textura que parecia que ela era feita de ossos.
Tão concentrados estavam em seus ataques que os dois vilões não pressentiram a chegada de Lucca e Vali. O guerreiro de branco ergueu sua espada, que parecia mais uma tíbia esculpida no formato de uma espada e desta partiu uma rajada de energia cinzenta que visava destruir a cabeça da estátua. O ataque teria tido sucesso se um campo de força erguido por Vali não tivesse desviado o ataque no último segundo.
Finalmente notando a presença dos dois recém-chegados e extremamente irritados por ver o ataque de um deles ser desviado com relativa facilidade, os dois falsos deuses se viraram para onde Lucca e Vali estavam.
– Quem são os vermes que ousam nos impedir de punir esses infiéis? – perguntou a dama de vermelho.
– Exatamente, digam vossos nomes para ao menos sabermos quem nós matamos antes de acabarmos com esses hereges! – completou o guerreiro.
– Desejam nomes? Pois bem, acho que não me custará nada dizer – respondeu Lucca, com um sorriso irônico no rosto, sorriso este que disfarçava toda sua irritação. – Eu sou Lukhz Bianchi, campeão deste reino e príncipe consorte do mesmo e esta é a minha irmã, Vali. Solicito que se rendam e respondam por seus crimes.
– Um príncipe, tu dissestes? Ótimo, arrancarei vossa cabeça para que aprendam quem deve ser obedecido e nós somos deuses, estamos acima da justiça dos mortais – retrucou o guerreiro.
– Olha, gente melhor que você já tentou arrancar minha cabeça, mas eu continuo com ela sobre os meus ombros e por favor, esse troço de deuses já acabou, todos sabem da sua farsa.
– Farsa?! Morrerás por tal audácia! – gritou a dama de vermelho antes de disparar uma rajada de energia na direção deles.
Lucca sacou sua espada e, com extrema facilidade, rebateu a rajada em direção ao guerreiro, que, pego de surpresa, foi acertado em cheio no peito e recuou um pouco. Vali, ao mesmo tempo, sacou uma pequena adaga e a arremessou em cheio essa em direção à Stalina, que, no auge da sua arrogância, nem tentou desviar, sofrendo assim um corte na bochecha.
– Ué, uma deusa que sangra? Essa é novidade, né maninho? – provocou a geralmente contida Vali, o que demonstrava toda a sua irritação.
– Vali, sei que está bem irritada com o que vimos, te conheço muito bem, mas, por favor, é necessário sangue frio agora. Você cuida da broaca da Stalina que eu cuido do Westh.
– Ok e se cuida, maninho, pois se eu conheço bem, deve estar mais irritado do que eu.
– Não se preocupe, irmãzinha, eu sempre me cuidei muito bem.
Stalina começou a aplaudir de forma irônica
– Tanto carinho, tanto amor me dá vontade de vomitar. Pelo jeito os vermes conhecem os nosso nomes, mas insistem em nós desafiar. Pois bem, se é assim que querem, eu e Westh teremos o maior prazer em proporcionar uma longa e dolorosa morte a vós.
A vilã provavelmente esperava uma resposta irritada ou desaforada dos heróis, mas a única resposta que ela recebeu para a sua provocação foi o silêncio.
Desembainhando sua segunda espada, Lucca uniu esta à primeira e das duas juntas pariu uma rajada de energia que jogou Westh longe. O herói montou em seu grifo e voou até onde o vilão havia caído.
– Pelo jeito o seu querido irmão lhe abandonou aqui sozinha. Se achas, elfa, que tem chances contra mim, a grande Stalina, deusa da vingança e da carnificina, estas enganada.
– Se o meu irmão acha que eu posso resolver sozinha, bem, eu posso. E se está tentado me intimidar com esse discurso de deusa, perdeu seu tempo. Eu sei que você não passa de uma bruxa com delírios de grandeza.
– Delírio de grandeza?! Eu lhe mostrarei o que é delírio de grandeza!
Stalina agitou o bastão que trazia na mão e uma parte do seu traje se destacou e se transformou num imenso lobo de sangue. O animal, babando e rugindo partiu para cima de Vali, sendo interceptado pelo grifo desta quando pulou para atacá-la. O grifo não teve dificuldade para destruir a fera usando o seu bico e suas garras.
– Não comemores, sua besta apenas conseguiu um breve atraso no seu fim – desdenhou a deusa.
Da poça de sangue que restara do lobo, três novos lobos menores surgiram quando a vilã agitou seu bastão e estes se atracaram com o grifo de Vali.
– Interessante – sorriu a elfa, enquanto armava uma flecha no seu arco – O que será que acontece se eu tirar esse bastão de suas mãos?
Não dando tempo para a deusa responder ou reagir, Vali disparou a flecha, que acertou o bastão em cheio e o arremessou longe.
– Insolente! Se achas que me livrar do meu bastão vai me enfraquecer, estas muito enganada. Terás que fazer muito mais para me derrotar!
– Sinceramente? Vai soar um tanto “vilanesco” o que vou dizer agora, mas espero que essa lute ainda dure bastante, o bastante para eu fazer você pagar por todo o mal que fizestes. Há dias que eu e meu irmão temos seguido o seu rastro de destruição e a cada mãe que eu via chorando pela morte de um filho, por cada filho que eu via lamentando a morte dos pais, a minha raiva crescia. Eu sou mãe, mãe orgulhosa de três filhos e entendia a dor deles. Nada no momento vai me trazer mais prazer do que, sinceramente, limpar o chão com a sua cara, bruxa.
Antes que a falsa deusa respondesse, Vali ergueu as mãos para o alto e invocou um raio que acertou a bruxa em cheio, fazendo que parte do vestido dessa ficasse duro, incapaz de se mover como se movia até então.
A vilã chutou a parte do vestido que ficara dura, quebrando esta e logo o vestido começou a se modificar, virando uma armadura que a cobria como um todo, com longas garras saindo dos dedos.
– Pelo jeito gostas de lutar de longe. O que aconteceria se eu trouxesse essa luta para perto de ti, verme? – provocou a vilã, enquanto corria em direção à elfa.
Vali sacou a espada curta que trazia na cintura e aparou o ataque da adversária, impedindo que as garras desta tocassem ela.
– Isso seria um problema se eu não fosse irmã caçula dos dois maiores espadachins do continente e se estes não tivessem me treinado sempre, sem nunca pegar leve.
A elfa deu uma cabeçada na vilã e, quando esta cambaleou para trás, acertou um potente chute no peito desta, que caiu no chão e rolou. A queda acabou sendo benéfica, aparentemente, para a falsa deusa, que conseguiu recuperar o seu bastão.
– A brincadeira está boa, mas eu cansei de sujar minhas divinas mãos com um lixo como você.
Stalina apontou o bastão para Vali e deste partiram rajadas de energia rubra. A guerreira não se abalou. Apenas apontou a mão espalmada para a adversária e desta partiram rajadas de energia branca que anularam as enviadas pela velha deusa.
– Como? – recuou assustada Stalina. – Eu sou uma deusa!
– Pode até ser uma deusa, mas sinto em lhe dizer que está bem enferrujada e que minha cunhada Liliana usa magias bem mais poderosas.
Sem dar espaço para qualquer reação, Vali invocou novos raios que acertaram novamente a agora armadura de Stalina, enrijecendo está em vários pontos.
– E esta magia eu aprendi com a minha cunhada Ardriel e, sabe, você tem sorte de que ela não é sua adversária, se não, a essa hora, ela já teria feito churrasquinho de você por toda a confusão que você causou.
Vali fez surgir um turbilhão de fogo em torno da falsa deusa, não tão poderoso quanto os que a cunhada dela costumava invocar, mas quente o suficiente para lentamente endurecer toda a carapaça da vilã, deixando-a presa no próprio traje.
A elfa fez um cafuné no seu grifo, que se aproximara da dona após lidar com os lobos de sangue e falou:
– Agora é contigo, garoto.
O animal abriu a sua imensa boca e soltou um potente grito sônico que despedaçou o traje e fez a vilã cair, nua, de joelhos no chão enquanto sangue escorria de seus ouvidos.
Em outra parte da vila, Lucca enfrentava o seu adversário, um forte e atarracado guerreiro que usava uma armadura que parecia ser feita de ossos e cujo rosto era escondido por um elmo em formato de caveira. Os dois guerreiros trocavam golpes de espada, sem que nenhum aparentemente conseguisse assumir o controle da luta.
– Para um mago e um falso Deus, até que você usa pouca sua magia – provocou Lucca. – Por acaso estaria o poderoso Deus da Guerra com medo de um simples cavaleiro?
– Bem, acho que posso falar a verdade, afinal mortos não contam segredos. Eu não sou o Deus da Guerra original. Eu desafiei o primeiro Westh e ele foi tolo o suficiente para lutar comigo sem usar magia. Eu arranquei a cabeça dele e fiquei com o seu título. Os meus pares viram em mim um bom substituto e me treinaram nas artes mágicas, mas, no fundo eu ainda carrego a alma de um guerreiro. Agora, providenciarei a tua morte para que leves o meu segredo contigo.
Westh, empunhando sua espada com as duas mãos, desferiu um poderoso golpe contra Lucca, mas este aparou o golpe com uma de suas espadas e o golpeou com a outra.
– Este foi um bom golpe, rapaz. Mas se desejas manter a sua cabeça colada no ombro, deveras lutar a sério coisa que não estás fazendo. Estarias por acaso vós me subestimando? Posso ter passado os últimos milênios preso, mas ainda sou o maior guerreiro deste mundo.
Dito isso o falso deus acertou um golpe preciso em Lucca, que o fez recuar uma boa distância. O cavaleiro sentiu pela primeira vez que aquela luta realmente seria difícil e no momento ele não poderia contar com nenhuma ajuda uma vez que o seu grifo se encontrava lutando com dois esqueletos-gorila.
– E então, rapaz? Vai parar de te conter e me proporcionar uma boa diversão ou devo providenciar logo a tua morte?
– Diferente de você, vilão, eu tenho um código de honra e, há muito tempo, jurei não tirar nenhuma vida humana. Essa é a sua sorte.
– Então eu devo ser muito azarado – disse o vilão, rindo.
Westh arrancou o próprio capacete e revelou ser na verdade um goblin, de orelhas pontudas e pele cinzenta.
– Você é um goblin?
– Exato. Eu era o rei uno dos goblins, o primeiro e único, que o tolo Westh original desafiou para um duelo, tentando manter o meu povo no controle. No final das contas, eu é que fiz o trabalho dele. E então, herói, o que me dizes? Pronto para lutar sério?
– O que eu digo? Bem digo que você perdeu a única coisa que ainda mantinha a sua cabeça colada no corpo.
– Bravatas de um mero cavaleiro.
O goblin partiu com sua espada erguida visando golpear Lucca de cima à baixo. O cavaleiro segurou firme no cabo da espada que trazia na mão direita e, com um golpe, cortou a ponta da espada do vilão e, antes que este esboçasse qualquer reação, acertou um chute no peito deste, jogando o longe.
O falso deus levantou, limpou o sangue que escorria do canto da boca e sorriu.
– Agora sim a luta ficou séria, do jeito que eu gosto – provocou ele, diante da aura de hostilidade que o cavaleiro liberava.
Ele fez a ponta de sua espada regenerar e a cravou no chão. Em torno de Lucca, várias presas gigantes surgiram, mas estas falharam em perfurar a armadura do herói, que as quebrou com relativa facilidade.
– Quem é você? – reagiu, pela primeira vez surpreso, o vilão. – Ou melhor, o que é você?
– Eu já disse quem sou: Lukhz Bianchi, campeão deste reino e, no momento, seu carrasco.
Antes que o vilão esboçasse qualquer outro tipo de reação, Lucca partiu para cima com suas duas espadas em riste. Por um breve tempo um duelo equilibrado ocorreu, com nenhum dos adversários conseguindo assumir o controle da luta. A cada dano feito por uma das espadas de Lucca na arma ou na armadura adversária, estas pareciam se regenerar como se fossem feitas de um tecido vivo. Lentamente, golpe a golpe, o cavaleiro foi acuando o seu adversário até que, com um golpe preciso, ele amputou o antebraço esquerdo do adversário.
Assustado, vendo a luta como perdida e vendo que seus gorilas haviam sido destruídos pelo grifo do cavaleiro, Westh cravou sua espada no chão, fazendo surgir uma muralha de ossos em torno do cavaleiro e de seu grifo e um cavalo feito apenas de ossos. O falso deus montou no cavalo e saiu em disparada, em direção à onde estava Stalina, visando conseguir ajuda de sua companheira. Ao vê-la caída, de joelhos, derrotada, Westh, com o braço que restava, jogou-a na garupa do cavalo e partiu em disparada ao norte.
Lucca chegou ao local onde o duelo onde Vali e Stalina ocorrera um pouco depois dos dois fugirem.
– Maninho, vamos, não podemos deixá-los fugir – falou a ela, aflita.
– Relaxe, mana, vamos nos ater a ajudar os feridos, deixemos que os reforços cuidem deles – respondeu ele enquanto apontava para cima.
Vali olhou para cima e viu a silhueta de dois grandes dragões azuis voando rumo ao norte.
Seguindo a sugestão do irmão, a elfa resolveu ir ajudar os feridos e a ajudar a exterminar as poucas criaturas que os bandidos tinham abandonado.
Já tinham derrubado mais alguns monstros e prestado socorro a alguns aldeões quando um dos cavaleiros veio os chamar aflito. Lucca e Vali o seguiram e logo encontraram o cavaleiro que havia discutido com Lucca caído numa poça de sangue. Um grande ferimento em formato de mordida existia no abdômen dele, atravessando a sua armadura.
O herói nada disse, apenas olhou para a irmã e está entendeu o que ele queria. Os dois se ajoelharam junto do rapaz ferido, um de cada lado, e se deram as mãos, formando um retângulo acima do rapaz. Dos braços deles surgiu uma luz branca que envolveu o corpo do rapaz.
O tempo passava, o dois suavam frio, mas a magia que eles emitiam parecia incapaz de fechar os ferimentos. Dois estranhos, com traços faciais não usuais aos povos da região e vestindo robes azuis se aproximaram e cada um botou uma mão no ombro de um dos irmãos e a luz começou a assumir tons azuis e a brilhar mais forte e o ferimento finalmente fechou.
– Ele vai ficar bem? – perguntou Sir Harry, aflito.
– Vai – respondeu um cansado Lucca. – O rapaz tem sorte que estes dois chegaram na hora certa.
– Afinal, quem são eles? – perguntou o líder dos cruzados.
– Dois jovens dragões azuis enviados pelo líder dos dragões azuis, Raio Azul. Através deles, o sábio Raio compartilhou comigo o conhecimento necessário para reverter o envenenamento extenso que a mordida causara.
– Eu sou imensamente grato aos dois – disse, honestamente, Sir Harry.
– Não precisa agradecer, nosso mestre nos pediu para que ajudássemos a todos aqui – retrucou um dos dois dragões.
– Ainda assim, sou grato – insistiu ele.
– Se o senhor quer ser grato, Sir Harry, avise ao seu pupilo que ele foi salvo graças à dois “pagãos” e que isso sirva de lição para ele deixar de lado o preconceito.
– Claro, general, farei questão de lembrar ele disso.
Lucca saiu caminhando em direção onde estavam o seu grifo e o de sua irmã, acompanhado dela e dos dois dragões.
– E os deuses? O que ocorreu com eles? – perguntou Lucca
– Eles saíram dos limites de Arlon, senhor, e como nosso mestre mandou que não saíssemos dos limites dos reino, nós retornamos – respondeu um dos dragões.
– Muito bem. Podem retornar ao seu mestre e agradeçam a ele pela ajuda.
– Sim senhor – responderam os dois fazendo uma reverência antes de voltarem à sua verdadeira forma e partir.
Os dois irmãos conversaram com o ancião da vila, se asseguraram de que estava tudo bem, montaram em seus grifos e partiram rumo à cidade de Arlon. Antes de montar, Vali ainda perguntou:
– Maninho, será que não deveríamos ir atrás daqueles dois?
– Ao norte daqui, mana, ficam os domínios de Sad’Gorth. Que o velho saco de ossos lide com os dois. E os falsos deuses que descubram com ele o verdadeiro sentido de ser um imortal.
– Mas não tem chance de eles, sei lá, se aliarem?
– Aliarem? Nem pensar. Aqueles dois gostam de ser adorados e o defunto do Sad’Gorth não serve a ninguém.
– Bem, você o conhece o melhor que ninguém. Se você diz que vai ficar tudo bem, maninho, vai ficar tudo bem.
– Vai ficar, Lele. Agora vamos que estou com saudades da minha esposa e precisando de um bom banho.
– Eu também estou precisando de um, maninho, com certeza.
Tendo debelado a crise, ao menos temporariamente, os dois irmãos rumaram finalmente ao sul, ao encontro de sua família.