O que é magia?

Um belo e cristalino lago nos arredores de Arlon, capital do reino do mesmo nome, quase no final da tarde. Sentados num pequeno píer de madeira, Lucca e seu filho mais velho, Miguel, no momento um rapaz de quinze anos, com cabelos escuros como o pai, mas encaracolados e cortados curtos, curtiam um momento pai e filho pescando.

– Pai, o que é magia?

– Ahã?

– Bem, faz algum tempo que eu e os meus irmãos viemos para cá, descobrimos a existência da magia, esta é legal e tudo mais, mas, afinal, o que é magia?

– Poxa, filhote, geralmente quem me faz essas perguntas difíceis é o seu irmão João.

– Ok, mas não enrola.

– Agora você falou como a Gala – riu Lucca. – Bem, a magia é uma forma de energia que emana de todos os seres vivos do universo e que permite àqueles que a dominam dobrar as leis da física à sua vontade.

– Continuo boiando.

– Talvez se eu entrar no sistema de classificação de magia você consiga compreender melhor. A magia pode ser dividida em dois sistemas de classificação. O primeiro deles, que é o meu favorito, é quando ela é dividida pelos seus elementos: água, fogo, terra, vento, luz e trevas.

– Isso eu já tinha ouvido falar por alto. A sua afinidade é com o elemento da luz e o da mamãe é com o elemento fogo, certo?

– Perfeito.

– E o da tia Liliana?

– Bom, no caso da sua tia, é mais fácil perguntar com qual elemento ela não tem afinidade, que seria trevas, fora isso ela domina quase todos os elementos com primazia.

– E tem diferença entre dominar um elemento e outro, né?

– Sim, filhote, tem. Por exemplo, magos que afinidade com o elemento luz, tem maior facilidade para usar magias de cura e magias de ilusão, como é o meu caso. Magos do elemento fogo tem maior domínio sobre magias que envolvem fogo e calor. Os do elemento da água, controlam melhor gelo e água, obviamente e por assim vai.

– E os do elemento trevas?

– São especialistas, na sua maioria, em maldições, venenos e necromancia, que é a magia de controlar os mortos.

– Eu sei o que é necromancia, eu jogo RPG, pai, lembra?

– Hahahahah, verdade. Mas isso também não é uma regra de ouro. Como eu disse antes, controlam melhor. A magia que eu uso para por medo nas pessoas é uma magia do elemento trevas. Magos do elemento água costumam ser bons com magia de cura também. E tanto magos da terra quanto do fogo costumam serem capazes de controlar lava, que não passa de rocha incandescente.

– Tá e a outra classificação, que você parece não curtir muito.

– É a que divide em Magia Branca e Magia Negra. E eu definitivamente não curto ela.

– Porque? Não vai dizer que é por causa do politicamente correto, né pai? Isso chegou aqui também?  Claramente nesse caso branco faz sentido à luz, à algo imaculado e negro à algo escuro, algo sombrio. Sem falar que é normal para a gente, que não enxerga no escuro, temer este, não?

– Filhote, eu as vezes me impressiono como você tem crescido e amadurecido. E não, não é por causa do politicamente correto, embora eu prefira termos como “Magia Altruísta” e “Magia Maligna”. Alguns também usam o termo “‘Magia das Trevas”, mas não curto muito esse, confunde com a magia do elemento trevas. E nem todo mago do elemento trevas é mal.

– Mas eles em tese não são especialistas em coisas ruins como venenos e maldições?

– Sim, em tese, eles são especialistas em coisas ruins como você falou, mas já conheci muitos magos das trevas que estudavam as magias das trevas para saberem curar envenenamentos e desfazer maldições.

– Entendi.

– E fugindo do assunto da magia, filhote, eu concordo com as definições que você deu para magia branca e magia negra. E não, o politicamente correto, usando as suas palavras, não chegou aqui. Mas eu entendo as pessoas negras que ficam incomodadas com tais termos. Não acho que são termos racistas, mas, pessoas brancas como nós dificilmente sofrem racismo, então fica complicado para julgar, né? Como gostam de dizer por aí, não estamos “no nosso lugar de fala”. Então, se pudemos usar termos não criem atritos e confusões, porque insistir em criar confusão. A algum tempo o seu irmão João me perguntou se o certo é “pessoa negra”, “pessoa preta” ou “pessoa afrodescendente” e eu disse que o certo é chamar a pessoa daquilo que ela quer ser chamada e nunca esquecer que somos todos iguais e merecemos ser tratados iguais, independentemente da cor de pele.

– Ok, pai, mas você ainda não explicou porque você não gosta dessa divisão.

– Porque eu acho ela muito simplória. Não estamos falando de uma moeda, que tem dois lados. Para mim não existe só, usando os meus termos favoritos, “Magia Altruísta” e “Magia Corrompida”. Existe um terceiro caminho, uma “magia cinza” por assim dizer.

– Magia Cinza, pai? Sério? – falou Miguel, segurando o riso.

– Engraçadinho. Posso continuar?

– Deve.

– Como eu estava falando, para mim existe um terceiro caminho. Magia Altruísta é um conceito básico, simples, é aquela magia usada de maneira altruísta, visando ajudar o próximo, independente de quem for, sem pedir nada em troca.

– Tipo o senhor.

– Eu?

– Sim, pai, pelo que me conste o senhor usa a sua magia de cura em todos os que precisam dela, sem pedir nada em troca e sem escolher os pacientes. Pra mim isso é agir de maneira altruísta.

– Bem, obrigado pela parte que me toca, filhote, não me considero uma pessoa tão altruísta assim mas a ideia é essa. Magia corrompida é algo um pouco óbvio né? É alguém que usa a magia para fim escusos, para fins malignos. Mas existe um caminho que não é nenhum nem outro.

– E o que seria esse caminho, pai?

– Pensa num mago que faça parte da Guilda dos Aventureiros, por exemplo. Ele usa as magias dele para cumprir as missões dele. Ele tá fazendo o mal com elas? Não, no geral ele está fazendo o bem. Mas está sendo pago para isso. Não está sendo movido apenas por ideias nobres mas pelo dinheiro também. Não que isso seja errado. Não que você não deva usar os seus talentos para se sustentar de maneira honesta e sendo pago por isso. Mas não é algo cem por cento altruísta. Certo?

– Certo.

– Outro exemplo: a sua mãe.

– Minha mãe?

– Sim, sua mãe, minha esposa. Ardriel é uma pessoa maravilhosa, com um coração de ouro e uma maga poderosa. Mas para que ela usa o poder dela, quando usa, no dia à dia? Para resolver os problemas dela e daqueles que a acercam, amigos, família. Não é algo cem por cento altruísta ou despido de segundas intenções. E, de novo, como eu acabei de dizer, não tem nada de errado em usar os seus talentos para garantir a sua renda ou resolver os seus problemas, desde que não prejudiques ninguém. Ninguém tem que ser obrigado a ajudar o próximo de graça, de maneira gratuita. Até porque, se a pessoa está sendo obrigada, ela não está fazendo de maneira gratuita, não é mesmo?

– Não, não mesmo.

– Enfim, filhote, o papo filosófico está bom mas o sol está se pondo e eu prometi para sua mãe que não voltaríamos tarde.

Pai e filho recolheram os seus pertences, guardaram suas varas de pescar numa bolsa e apanharam o balde de madeira onde estavam colocando os peixes pegos e este estava relativamente cheio.

– Pai?

– Sim?

– O papo filosófico foi bom mas, no fim, ainda acho que você não respondeu a minha pergunta…

Lucca nada respondeu, apenas riu, bagunçou o cabelo do filho com as mãos e os teletransportou para onde o resto da família deles os aguardava.

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